Os idealistas e os crentes dizem que a Covid-19 nos assolou como mais uma tentativa de resposta a uma humanidade que não desiste em ser egocêntrica, egoísta e ausente em valores universais.
Será mesmo verdade?
Será mesmo verdade, que chegou com o objetivo de nos dar mais uma lição de vida, para que possamos repensar os nossos valores e as nossas prioridades?
Os mais otimistas dizem que sim.
Gostava muito de acreditar nessa verdade, mas o passado conta-me uma história diferente.
Uma história construída por guerras, extermínios, desastres naturais, a perseguição e os ínfimos ataques aos refugiados que se acumulam nas fronteiras, o sofrimento das crianças, a pobreza, os surtos epidêmicos, os mais próximos e os mais distantes, que ceifam milhares de vidas, estas e tantas outras guerras que testaram a nossa capacidade de construirmos um mundo mais solidário e assente em valores humanitários.
Não será uma ilusão acreditar que vai ser esta pandemia a mudar tudo?
Infelizmente, acredito que será apenas mais uma.
É certo que veio despertar o pânico, trazer dor, afastamento, desgaste, perdas, nossas e do mundo, isolamento, solidão, saudade, pobreza, mas para muitos não vai passar disso.
Amanhã, quando tudo passar, quando voltarmos a sair e encontrarmos a normalidade, voltaremos a ser quem éramos.
Talvez mais receosos, mas continuaremos. Uns mais altruístas, e outros menos empáticos.
No que toca a valores, receio que não traga nada de novo. Talvez, tenha trazido de forma temporária.
A humanidade é feita destes desequilíbrios. Somos naturalmente assim, e infelizmente iremos continuar dessa forma.
Tudo se resume à nossa sobrevivência.
Este flagelo foi mais uma provocação à nossa incapacidade de sermos naturalmente pessoas exemplares.
O surto será lembrado apenas nos livros, e na memória daqueles que mais sofreram com esta guerra, comandada por um inimigo invisível.
Vai-nos fazer recordar com tristeza que perdemos mais de 100 mil pessoas, outras tantas que perderam os seus empregos, a instabilidade e a infelicidade de muitos, mas lamentavelmente será apenas mais um episódio, como tantos outros que conhecemos e relatamos quando nos lembramos.
Rapidamente, vamos esquecer, que levou ao sofrimento, ao isolamento e à solidão, como aquela que se viveu em tantas outras calamidades.
Mas tudo isto não é novo, certo?
Na verdade, pensamos todos da mesma maneira. Tentamos a toda a hora nos consciencializarmos que esta pandemia chegou por um bem maior, mas a consciência vai terminar no dia que virarmos a página.
Hoje, olhando para o horizonte, gostava muito de dizer que este surto nos ajudou na construção de ferramentas capazes para o desenvolvimento de valores orientados para a aceitação, para a bondade e bom senso, dotasse as pessoas de causas, inteligência emocional e amor pelo próximo.
Não será óbvio para todos acreditar que quando somos dotados destas características, o mundo será um bocadinho melhor?
Não seremos todos mais felizes e bem sucedidos?
Temo que continuaremos a ser naturalmente egoístas e voltados para nós. Na maioria das vezes procuramos sobreviver com a mágoa, a vulnerabilidade e o sofrimento dos outros.
Uns não têm a capacidade de lutar contra este estado mais rebelde e individualista, e tornam-se frios nos seus comportamentos, mas temos muitas outras pessoas, que concedem uma nova esperança na humanidade, com o reforço diário de atitudes orientadas para o bem estar do outro.
É esta diversidade de pessoas que vai manter o desequilíbrio, e talvez, levar a mais um esquecimento.
Iremos em breve voltar ao antes Covid-19, ao nosso individualismo, até que venha outra calamidade que nos confina em casa, como mais uma oportunidade de repensarmos a nossa forma de estar, na tentativa de humanizar mais uma vez os mais resistentes.
Aqueles, que hoje conseguiram aprender e mudar as suas características, tornando-se mais solidários e privilegiando a interajuda, mesmo que em pequena quantidade, não se deixem engolir pela máquina, e não se esqueçam de todas as aprendizagens.
Esta pode ser a minha verdade, mas também é verdade, que é nestes momentos que descobrimos vertentes que não sabíamos possuir, e que por momentos nos fazem mover em prol do outro.
Só temos que prolongar este autoconhecimento, e esta vontade de vencer. Não sozinhos, mas com o próximo.
A esperança está em cada um de nós.
Estaremos todos preparados para aprender?