Nos dias de hoje, em que cada vez mais o consumismo desmesurado e desproporcionado e a notoriedade em volume de "likes" tomam conta dos nossos valores básicos, dou por mim muitas vezes a questionar-me qual o valor das coisas.
Qual é de facto o valor real das coisas?
Antigamente, nos dias em que passar uma tarde a fazer um puzzle de 500 peças de uma estranha imagem de Munch tinha para mim enorme valor, penso que era mais fácil dar resposta a esta equação. Um móvel tinha o valor da soma do custo das madeiras, dos pregos, e de algumas horas de um talentoso e esforçado carpinteiro que tinha a ambição única de providenciar casa e comida à família e porventura juntar qualquer coisa para daí a uns anos conseguir ter o filho a estudar em Lisboa.
Muitos mais anos atrás, seria ainda mais fácil. Uma vaca tinha o valor de 3 ovelhas, e uma ovelha o valor de 3 galinhas, e uma galinha uns quilos de batatas, e não havia puzzles de 500 peças mas outros desafios de difícil resolução percorriam os dias dessas gentes. Eram outros tempos dizem uns, perderam-se valores dizem outros, a verdade é que bolachas de água e sal com primor a ver o Dartacão tinham em mim um sabor diferente de hoje.
Valiam mais.
Mas qual então o valor real das coisas?
No século XVIII, em pleno período de revolução industrial, a Economia procurou dar resposta a esta questão. Estabeleceu as regras de definição do valor real e a variável preço (P), e nos várias modelos de equilíbrio de mercado respondeu na forma matemática que as coisas valem tanto mais quanto as pessoas que as querem adquirir. Portanto, face à incapacidade de conhecer o valor real das coisas, seria o mercado e a lei da procura e da oferta (aka. as pessoas), a determinar o valor das coisas.
Um género de "eles que se entendam".
Esta maravilhosa liberdade quase anárquica resultou nos dias de hoje em lenços de papel usados por celebridades a ser vendidos por centenas de milhares de dólares ou pedaços de cabelo ou restos de comida de actores famosos a ser vendidos por milhōes. É uma tremenda evolução civilizacional, ("it's evolution baby" diz a canção) mas poderia ser diferente? Penso que não. É indiscutivel e incontestavel que algo que muitas pessoas querem tenha mais valor do que algo que poucas ou nenhumas querem.
Então na verdade quem domina o valor das coisas são os consumidores e não os produtores, isto seguindo as nomenclaturas do tal antigamente, em que só um produto, de facto produzido (passe a redundância), por um dito produtor (idem) é que tinha valor.
Mas se as pessoas querem coisas diferentes, e valorizam coisas diferentes, qual o valor real das coisas?
Também terá de ser incluido na já difícil equação, o poder de compra ou capacidade financeira de quem está a comprar. Certo será que alguém que poupou durante x tempo para adquirir algo dará mais valor do que alguém a quem o preço nada represente na carteira, mesmo que tenham adquirido ao mesmo preço em euros. Caberá a cada um individualmente saber qual é o valor que terá para si, qual esse valor percepcionado, que para mim é o valor real.
É a experiência de consumidor, que não tem equação. Quanto gostei disto, quanto me soube bem, quanto me gratificou, quanto me satisfez, quanto me ajudou, quanto me deixou feliz, são valores sem medida, não têm peso nem centímetros, não são litros nem quilómetros, e muito menos euros.
Simplesmente valem. Sentem-se.
Uma bicicleta de criança não tem o seu valor na qualidade das rodas, no formato do quadro ou no som da campaínha, mas sim no que representa na memória da criança a descer a rua pela primeira vez, aquela primeira queda e a tintura de iodo no joelho, no orgulho do pai naquele dia em que retirou as rodinhas de apoio, ou nos olhos da mãe que o vê crescer a cada curva. Como se calcula o valor disso?
Um medicamento que demorou anos de investigação, dezenas de cientistas envolvidos, e que por isso custa 2 milhões, mas contém nele o poder de salvar uma vida de meses. À vista de muitos, quase todos, tem o valor de uma fortuna, mas para os pais, foi uma pechincha face ao futuro que possibilitou e a infinitude de momentos e experiências que lhes reserva em família. É uma experiencia que não tem valor, é infinitamente imensurável.
Mas se são as pessoas que valorizam as coisas, quanto valem as pessoas?
Pessoas não se compram, mas contêm nelas valores, a ética, o senso comum, a bondade e a generosidade. Têm nelas o maior e mais incrível poder, a capacidade de influenciar e impactar positivamente na vida de outros. Qual o real valor de fazer bem ao próximo, quando é na verdade gratuito? Como se calcula o valor de uma boa acção ou pequeno gesto, que não tendo preço, tem não só impacto no outro como em nós próprios?
O gesto de dar sem receber, a generosidade do ser no seu estado mais puro com que todos os humanos vêm equipados de série. Um poder que não tem custo, que não tem limite, que se auto-sustenta e que devolve sempre em demasia, é uma equação de 0=infinito. Não sei se economistas terão capacidade de a resolver, eu não tenho, mas esta não é equação para resolver, mas simplesmente ser.
É o nosso valor real.