Farto. Farto das restrições, das contingências, das mudanças e do extraordinário que começa a ser regra. Cansado. Cansado de usar máscara, de estar em casa, de tudo o que não se pode fazer, dos horários que nos fecham a porta. Vivo. E quase cinco mil portugueses não o estão.
Viram a vida partir, perderam o ar e sofreram sem se despedir dos seus, sozinhos, à distância de um último abraço. A vida não é política, não é economia e não é negociável, mesmo que esteja mais perto do fim do que do princípio. E com isto não defendo as decisões, os estados de emergências, as medidas, as exceções. Não sou especialista, tenho opiniões mas não tenho certezas.
Não bato palmas ao Governo nem vou para a rua negar o contexto em que vivemos. Defendo a consciência, a humanidade de compreender que quando nos aproximamos, quando nos tocamos, quando não queremos saber, podemos estar a adoecer, podemos mesmo matar ou simplesmente morrer.
O risco que é difícil de gerir e a necessidade de mantermos a consciência individual, a responsabilidade de todas as nossas decisões, porque é isso que faz a diferença neste combate. Temos de aceitar o contexto em que vivemos, afinal já nos acompanha há mais de nove meses, e este obriga a uma nova forma de ser e estar. Aceitar sem procurar culpados, sem revolta, sem fechar os olhos.
E aceitar significa também não parar. Não parar de trabalhar, de consumir e de ser um agente ativo de uma economia que está também em sofrimento. Não parar significa continuar a ir ao médico para realizar diagnósticos e tratamentos, para que outras doenças não voltem a matar. Não parar de estar próximo, porque pessoas precisam de pessoas e só assim combatemos o isolamento e as doenças mentais. Não podemos parar de rir, de acreditar e de sonhar. Não podemos parar de ser humanos e temos de o ser mais ainda para que nos possamos ajudar uns aos outros, reconhecendo os desafios do contexto.
Desafios emocionais que não se fecham em casa e que vivem de formas diferentes na vida das pessoas: o medo e a displicência, a revolta e a obediência, a ansiedade e o stress. Emoções que não são novas, mas que ganham espaço com o tempo e com a incerteza, retirando-nos humanidade e muitas vezes consciência. E sim, estou farto, e sim, estou cansado, mas estou vivo e podem contar comigo para fazer a minha parte para que assim continuemos.