Os números.
O reflexo da nossa necessidade de quantificar o que nos rodeia, a magia da analítica e o engenho de contar histórias diferentes a partir do mesmo algarismo. Porque 1 pode valer 1, ou mais do que 1, ou mesmo menos do que 1, não porque a conta não está certa ou porque existe um erro na fórmula, simplesmente porque o número é um contador de histórias, quantifica o inquantificável, pode ser visto de diferentes perspetivas e muitas vezes distancia-nos de valores maiores, aqueles que não se expressam em nenhum número.
Vejamos o exemplo da Suécia.
Um país com praticamente o mesmo número de habitantes que Portugal e que reagiu à pandemia com uma estratégia de proteção da economia (poderia dizer de imunidade de grupo, mas recentemente disseram que esse nunca foi um objetivo). O país nunca parou, não houve lockdown, muito embora a recomendação de trabalho remoto fosse implementada pela maioria das empresas e não foram implementados novos protocolos de segurança no dia a dia dos seus habitantes (muito embora maioritariamente as pessoas usem máscara). Nunca foram fechadas as escolas, os bares ou as esplanadas e algumas medidas restritivas em relação a lares foram implementadas apenas em setembro, depois de uma entrevista do Primeiro Ministro em agosto que reforçava que a estratégia seguida era a mais correta, mas talvez pudessem ter tido outra abordagem à terceira idade, aos lares. É que a Suécia chegou a ser o país da Europa com maior taxa de mortalidade, tendo já registados cerca de 6 mil óbitos (número mais elevado em comparação com os países vizinhos). Um número que veio trazer a público relatos que indicavam que os mais velhos não eram encaminhados para os hospitais para não sobrecarregar o sistema de saúde, garantindo assim um menor impacto para a economia (o PIB afundou “apenas” 8,3%).
Este mês de outubro a Suécia volta às manchetes com orgulho ao apresentar uma das taxas de contágio mais baixas da Europa (de acordo com o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças o país escandinavo registou nos últimos 14 dias um total de 22,2 casos por 100 mil habitantes, contra 279 em Espanha, 158,5 em França ou 77 na Bélgica).
Não sou virologista, político ou comentador, mas não consigo ler nos 6 mil uma história positiva e o orgulho de uma estratégia. Uma vida perdida é já uma derrota, porque as vidas não se compram com a economia e a estatística e o R nunca vai valer mais do que a mãe ou o pai que alguém perdeu, o avô que não teve aquele abraço antes de fechar os olhos ou o funeral que foi feito sem a presença de quem fica, sem despedidas. Os números não podem desvalorizar as pessoas, uma pessoa não vale menos do que 100 ou do que 10000. Uma pessoa vale muito, a vida humana não é quantificável, não há nenhum número ou fórmula que a possa representar e nenhuma estratégia pode ter outro propósito que não seja proteger a vida humana.
A economia não importa?
Claro que sim, até porque esta cisão entre economia e pessoas não é real. A economia tem como motor as pessoas, o seu trabalho, a produtividade e o consumo. Uma não vive sem a outra e por isso não se podem matar, porque acabariam por se eliminar mutuamente. Mas neste equilíbrio tem de existir um dever de proteção, têm de se encontrar mecanismos de prevenção e de comunicação, de responsabilidade individual e coletiva para que se possam cumprir quarentenas, para que hajam períodos de nojo e para que os meus velhos não sejam aqueles que deixamos morreram porque nasceram há mais tempo, porque estatisticamente têm menor esperança de vida. Como pessoas e como gestores temos uma responsabilidade de implementar e garantir o cumprimento de medidas de segurança, porque só assim as pessoas estão em primeiro lugar e equilibramos a vida com a economia e damos vida è economia.
Nos números controlamos o hoje, procuramos padrões, fazemos previsões muitas das vezes esquecendo-nos que os números suportam histórias e não exigem justificações, mas sim ações. Este é um dos principais desafios dos dias de hoje: a medição. A tecnologia veio responder a este desejo dos mais controladores, dos analíticos e até dos mais criativos. Tudo é mensurável. Desde os sistemas com os registos de atividade, os telefonemas, os emails, o tempo… tudo se mede e em tudo se arranja forma de medir. Somos cada vez mais dashboards e previsões. Números que têm de suportar conversas, que nos devem levar a reflexões individuais e coletivas e não à ditadura dos números pelos números, das justificações que culpam o sistema e o IT ou mesmo dos que repetem de forma constante e convicta: “não acredito nesses números”. Vamos ser construtivos e ver nos números a vantagem competitiva, a quantificação das nossas ações para que possamos celebrar ou melhorar. A culpa não é deles e o que fazemos com eles é sempre responsabilidade nossa, da liderança e especialmente da liderança que queremos ter junto das nossas equipas e da nossa organização.
Os números são tramados. São complexos e brincam consoante a perspetiva em que os vemos. Permitem verdadeiras magias em especial naquele número anual do budget ou do orçamento do Estado, ao mesmo tempo que são às vezes comprometidos e derrapados, sem que se assuma a responsabilidade por isso.
Os números são números e a matemática dos números é uma arte criativa que nos permite adicionar histórias, subtrair valor, multiplicar impactos ou dividir resultados. O meu tio costumava contar uma história: “se eu comer um frango e tu nenhum, estatisticamente comemos meio frango, mesmo que continues com fome e eu muito satisfeito”.