A plataforma de pagamentos digitais de origem francesa Lydia escolheu Portugal para primeira experiência internacional por ser considerado um polo de inovação e pioneiro na adopção cultural de novas tecnologias. A aposta foi numa equipa local, valorizando perfis em vez de experiências anteriores, incutindo assim uma cultura diversificada naturalmente.
Entrevista a Carlota Meirelles, Country Manager Lydia Portugal
Carlota Meirelles é a Country Manager da Lydia Portugal, podendo dizer-se que é uma mulher num mundo de homens, duas vezes – pelo cargo que ocupa e pelas áreas em que actua: tecnológica e financeira. Acredita que tem «um papel de responsabilidade perante a Lydia em provar que, ao serem uma excepção no sector quando escolhem uma mulher para dirigir este projecto, esta foi totalmente acertada, mas acima de tudo que também eu servirei de exemplo para as mulheres em tecnologia e mudar este paradigma». Mas a diversidade que promovem está para além do género, com a convicção de que essa cultura de inclusão promove novas formas de crescimento e aprendizagem, contribuindo para o objectivo de criar uma super-app no nosso país.
A Lydia apresentou-se a Portugal em Novembro passado. Em que consiste a vossa actividade?
Lançada em 2013 por Antoine Porte e Cyril Chiche e com sede em França, Lydia é uma plataforma de pagamentos digitais, uma super-app financeira que reúne várias contas e serviços bancários numa só aplicação móvel: com apenas uma app pode acomodar várias contas bancárias, seja a nossa própria conta ou uma conta partilhada com amigos, dividir contas, fazer pagamentos online, etc.. As contas bancárias são agora carteiras virtuais que podem ser abertas ou fechadas em tempo real, fazendo com que a experiência de utilizador seja simples e única, caracterizada pela rapidez, centricidade humana e ultra-segurança.
Qual a vossa proposta de valor e de que forma é inovadora?
A Lydia foi criada com o objetivo de facilitar o processo de pagamentos digitais, numa altura em que os concorrentes estavam focados em criar novas funcionalidades. Nesse sentido, a Lydia focou-se em criar uma experiência do utilizador eximia, juntando a isso a ultra-segurança dos serviços bancários.
Pagamentos entre amigos, contas partilhadas, subscrições de serviços e isenção de taxas no estrangeiro são só algumas das várias vantagens que oferecemos. E, para usar Lydia, não é preciso mudar de banco ou a forma como fazemos pagamentos diários. É apenas um update natural no nosso dia-a-dia.
Portugal foi a escolha para a primeira experiência de expansão internacional da plataforma. Que outros países estavam na "corrida" e o que motivou esta aposta no nosso?
Ao longo dos últimos anos, a Lydia desenvolveu vários ensaios em países europeus: Portugal, para além de ser considerado um polo de inovação e pioneiro na adopção cultural de novas tecnologias e serviços, também nos permite oferecer uma experiência completa do nosso serviço, agregando serviços complementares adaptados às necessidades locais. Estes dois pontos, aliados aos resultados obtidos, colocaram Portugal como país inicial para a sua expansão, à frente dos restantes países como Espanha, Itália ou Bélgica.
Qual a maturidade do mercado em Portugal, na área das fintech? Como a compara, por exemplo, com o vosso mercado de origem – o francês?
Novos players financeiros internacionais têm trazido vários desafios ao nosso país, com ideias inovadoras e tecnologias em várias áreas das fintech. No entanto, sabemos que existe um longo caminho a percorrer. A falta de competição local na área das apps de pagamentos atrasou significativamente o nível de inovação em Portugal face aos outros países europeus.
Exemplo disso é a utilização de pagamentos via QR code, quando os nossos vizinhos europeus já passaram para uma solução de pagamentos contactless, comprovadamente mais segura e eficaz.
Por outro lado, França tem-se assumido cada vez mais como um dos principais ecossistemas empreendedores do mundo, que faz do país uma alavanca para o aumento da criação e implementação de novos negócios na área das fintech.
Que objectivos pretendem alcançar em Portugal, a curto/ médio prazo?
Acreditamos que, ao trazer um produto disruptivo para o dia-a-dia dos portugueses, iremos mudar o paradigma dos pagamentos móveis digitais, nomeadamente com a utilização massiva dos pagamentos contactless com telemóvel – hábito que ainda não está incutido nos portugueses, mas que temos a certeza de que irá acompanhar o comportamento dos restantes países europeus. O nosso objectivo é, assim, acompanhar diariamente os nossos utilizadores em todos os seus pagamentos - online ou offline - e simplificar a sua rotina.
Como é que desenvolvem a vossa actividade em Portugal? Com que equipa e com que modelo de trabalho?
Ainda no início da nossa expansão, contamos com uma equipa em Lisboa e outra em Braga. Em Lisboa escolhemos um espaço onde estamos rodeados de projectos empreendedores e onde partilhamos um ambiente cheio de dinamismo, estando sediados no Collective Haus.
A equipa divide-se em três áreas de trabalho – Business Development, Community Management e Brand Activation –, e estamos neste momento em processo de recrutamento para mais áreas.
O que vos levou a apostar numa equipa/talento local?
O principal objectivo na expansão internacional na Lydia foi garantir que os utilizadores tivessem a mesma experiência de utilização dos nossos serviços no seu país, como os utilizadores franceses têm em França.
Criar esta experiência local só é possível com um produto totalmente aplicado ao mercado português, mas também com uma equipa nacional dedicada a esta adaptação.
Que perfis procuraram? Tiveram dificuldade em encontrá-los?
Procuramos perfis que partilhem o nosso ADN e que valorizem a inovação, simplicidade e rapidez do nosso produto tanto como nós. Consideramos as várias exigências do nosso dia-a-dia na Lydia e criamos um modelo de recrutamento baseado em cenários reais, com casos práticos, reuniões com as várias equipas, entre outros.
Tem sido levado a cabo um trabalho notável pelas várias entidades – destaco a Portugal Fintech, que tem desenvolvido com sucesso o sector das fintech em Portugal e que temos a certeza de que contribuiu para o grande interesse que tivemos nos nossos processos de recrutamento.
Como perspectivam que a equipa – e o vosso negócio – cresça em 2021?
Começámos 2021 a aumentar a nossa equipa e não ficaremos por aqui. Continuamos ainda à procura de novos membros para se juntarem à equipa Lydia Portugal. A fintech conta aumentar a sua equipa e prevê ter 20 elementos até ao final deste ano. Apesar de estarmos a atravessar uma época imprevisível, temos as expectativas elevadas para a Lydia em Portugal, e acreditamos que conseguiremos alcançar o nosso objectivo de ser o meio de pagamento diário de eleição dos jovens portugueses .
Como surgiu o desafio de liderar a Lydia em Portugal e como o encara?
Recebi o desafiante convite da Lydia na altura do primeiro confinamento e aceitei-o com um enorme entusiasmo.
Já conhecia o projecto, e o seu sucesso em França, sendo que é já um caso de estudo pois não é muito habitual termos um serviço financeiro como a sexta marca mais relevante para os millennials.
O convite para este desafio prende-se no facto de a Lydia procurar uma pessoa capaz de trazer a mesma energia e valores da marca de França para Portugal, adaptando o seu serviço, mais do que tecnicamente, mas sobretudo culturalmente, para o nosso país. Foi certamente o maior desafio que já aceitei, sendo Portugal o primeiro país escolhido para a expansão da Lydia, também eu seria a primeira country manager da empresa fora de França.
Quais os principais desafios que antecipa?
O crescimento exponencial da Lydia teve como origem o efeito de passa-palavra entre os jovens. Numa altura em que as interações sociais estão limitadas, é natural que o fenômeno de espalhar a mensagem não seja tão rápido. O confinamento limita muito os pagamentos diários que os nossos utilizadores normalmente fazem, tendo menos oportunidades de experimentar o nosso serviço.
O trabalho da minha equipa está agora assente em ultrapassar essas limitações e criar oportunidades criativas de interação digital com a nossa app.
Pode dizer-se que é uma mulher num mundo de homens, duas vezes – pelo cargo que ocupa e pela área em que actua. Isto traz-lhe desafios acrescidos?
Mais do que desafios acrescidos acredito que me traz responsabilidades acrescidas.
Acredito na máxima que temos que ser os mais bem preparados da sala se queremos fazer a diferença, e tive a oportunidade de ter exemplos de mulheres à minha volta que abriram portas e que chegaram a lugares de liderança, seguindo religiosamente esta máxima.
No entanto, com esta posição, tenho um papel de responsabilidade perante a Lydia em provar que, ao serem uma excepção no sector quando escolhem uma mulher para dirigir este projecto, esta foi totalmente acertada, mas acima de tudo que também eu servirei de exemplo para as mulheres em tecnologia e mudar este paradigma.
Segundo o estudo Pioneers, divulgado pela comunidade Portuguese Women in Tech, uma em cada dez mulheres a trabalhar em tecnologia, em Portugal, é o único elemento feminino da sua equipa. Por que é que acha que isto ainda acontece?
Ainda herdámos uma tradição em que há maioritariamente mais homens em áreas tecnológicas do que mulheres, no entanto é um paradigma que está a mudar.
Ao aumentar o interesse feminino nas áreas tecnológicas na universidade, aumenta também o número de mulheres em áreas que, até então, eram predominantemente masculinas, e a destacarem-se. Acredito que ainda há um longo caminho a percorrer, mas acredito que os exemplos de sucesso de mulheres em tecnologia, assim como fundadoras de projectos inovadores, são um fantástico sinal para o mercado.
O que fazem na Lydia para contrariar esta realidade?
Na Lydia defendemos equipes multiculturais. Procurámos perfis específicos para as posições, e depois de conhecermos vários candidatos, estas posições acabaram por ser preenchidas por mulheres que se distinguiram. A Lydia orgulha-se de procurar perfis ideais, mais do que experiências passadas ideais. Na minha opinião, este facto já contraria em muito esta realidade.
O tema da diversidade e inclusão está para lá da igualdade de género. Em que "variável" acredita que há um maior caminho a percorrer?
Acredito que encontrar o perfil certo para cada função, ao invés de um CV certo, é parte da resolução do problema. Só assim conseguimos garantir a diversidade que procuramos, e a igualdade de oportunidades.
Acredito que uma equipa constituída por elementos com diferentes experiências profissionais e pessoais dá-nos uma grande criatividade e uma bagagem de ferramentas que se complementam de forma muito interessante. As empresas veem-se agora com a constante necessidade de funções ágeis, com facilidade de adaptação e aprendizagem constante, e para isso teremos de alterar os processos de recrutamento. O potencial que o funcionário pode alcançar com a empresa terá de se sobrepor às suas experiências passadas.
A diversidade é uma preocupação/ prioridade para a Lydia? Como encaram este tema?
É uma prioridade, e é por isso que referimos anteriormente a importância estratégica de construir equipas locais nos países em que queremos abrir operação. Acreditamos que esta diversidade cultural cria novas formas de crescimento e aprendizagem na interação entre equipas dos vários países, e, em última instância, nos torna mais atrativos no nosso recrutamento.
Para vocês, é um tema de negócio ou de igualdade de oportunidades?
Quando temos como principal objectivo facilitar o acesso a serviços financeiros de mais de quatro milhões de pessoas diariamente, é difícil destacar a cultura da empresa do negócio. Precisamos de garantir que a diversidade esteja no nosso core business para garantir produtos e serviços relevantes para os nossos clientes. Desejamos que a diversidade da nossa equipa seja um espelho da diversidade dos nossos utilizadores.
Como asseguram uma equipa diversa? Acontece de forma natural ou seguem alguma métrica?
A equipa da Lydia em França cresceu organicamente e com uma grande fluidez. Porém, orgulhamos-nos de ter uma equipa culturalmente diversa, dispersa em vários países e vários backgrounds. Aconteceu de forma natural, mas, com o crescimento da empresa e o alcance de maior maturidade, estamos a garantir a implementação de várias métricas que nos permitam crescer, e manter, sustentáveis nos temas de diversidade e inclusão.
Não obstante, para ser efectiva, a diversidade e inclusão não se pode ficar pelas métricas, tem que fazer parte da cultura. Como é que isso se consegue?
A cultura de startup já por si é facilitadora de uma cultura de diversidade e inclusão. Ao criar de raiz uma equipa jovem, sem heranças de cultura empresarial, e com uma grande sensibilidade para os temas que abordamos diariamente em sociedade, sabemos que a cultura empresarial é tão valorizada como o próprio salário.
Ainda há um grande caminho a percorrer no sector, mas repetindo o que disse anteriormente, ao valorizar perfis em vez de experiências anteriores acabamos por incutir uma cultura diversificada naturalmente.
Que tendências perspectiva neste âmbito?
A diversidade e a inclusão serão um tema-chave. As profissões estão a mudar, e as necessidades das empresas também. O teletrabalho e a nova geração que está a entrar no mercado de trabalho serão os maiores impulsionadores. Se tivesse de escolher um tema em concreto, escolheria as medidas de apoio à família e à parentalidade. Acredito que o futuro próximo trará mais medidas concretas e debates sobre o equilíbrio entre o trabalho e a família.
Enquanto country manager, qual a importância que assume para si a Gestão de Pessoas e que prioridades definiu?
A equipa da Lydia em Portugal é o motor que torna possível o crescimento da super-app no nosso país. Foi-me dada uma grande responsabilidade em gerir este projecto, mas acima de tudo garantir que a nossa equipa consegue ultrapassar diariamente vários desafios com criatividade e agilidade.
Gerir equipas jovens requer também um grande sentido de responsabilidade na sua formação profissional, e é essa a minha grande prioridade – garantir o crescimento profissional da equipa lado a lado com o crescimento da Lydia em Portugal.