O corte abrupto com as rotinas organizadoras que tínhamos, e a criação e habituação a novas rotinas, tiveram impacto na forma como nos vemos e ao mundo. Pôs-nos à prova relativamente a algumas fragilidades que temos, mas também mostrou-nos forças que desconhecíamos.
Com base na experiência que tive em formar cerca de 600 líderes de equipa da área dos contact centers e lojas, em plena situação de confinamento, mas também numa fase em que se começava a pensar desconfinar, em que foram abordados os principais sintomas normais que todos poderíamos estar a sentir nesta nova realidade, apercebi-me que esses mesmos sintomas e reacções poderiam manter-se num cenário pós confinamento e em determinadas situações tornarem-se já fora do dito “normal”.
Destes sintomas os mais comuns são o cansaço, a ansiedade, problemas de sono, problemas relacionais (dentro e fora do âmbito profissional), controlo da raiva e tristeza, que nem sempre são identificáveis pelas próprias pessoas devido à correria do dia-a-dia.
Eu próprio, ao longo destes tempos também senti alguns destes sintomas, sendo que o mais importante é estarmos atentos e diferenciarmos o que é normativo, mas também reacções que se podem ter alterado na sua frequência, intensidade e duração e em que medidas estas poderão estar a interferir no nosso quotidiano, no trabalho e na vida pessoal.
O actual momento continua a ser de incertezas, muitas vezes relacionadas com o futuro laboral e pessoal. Tanto em âmbito profissional, como pessoal, tenho ouvido cada vez mais frequentemente, pessoas que têm vindo a sentir os sinais anteriormente descritos que agora parecem querer evoluir para situações já consideradas mais críticas. Ninguém está preparado para ter a vida em suspenso durante tanto tempo!
A importância de nos ouvirmos a nós próprios, de termos tempo para nós, de percebermos os sinais de que algo poderá estar diferente na relação com o meu eu e com o outro, mas também o reflectirmos de que forma é que esta situação teve e tem impacto na nossa saúde mental, é essencial. Outro passo também de extrema importância é percebermos de que forma é que nós próprios conseguimos sozinhos ultrapassar uma situação considerada anómala, avaliando também se o nosso apoio social (família, amigos, colegas) tem capacidade para nos ajudar nesta fase, ou se já ultrapassa o âmbito de intervenção de todos esses atores.
Por vezes, em situações mais complexas, é necessário pedirmos a ajuda de profissionais de saúde mental, o que poderá fazer a diferença na nossa vida actual e futura. Sabemos que ainda existe algum preconceito relativamente ao trabalho realizado por psicólogos e psiquiatras, achando que esses profissionais são apenas para “malucos”; no entanto, psicólogos e psiquiatras acrescentam um olhar especializado, que pode ajudar-nos a diferenciar os riscos e encontrar estratégias para ultrapassar situações mais frágeis.
Sei pela experiência que tenho ao nível da psicologia clínica, através por exemplo dos atendimentos que realizo na área de responsabilidade social na empresa em que trabalho, que geralmente existe o medo nas pessoas de darem o passo de pedido de ajuda, porque no fundo é assumir que precisam dela e que não estão bem. O que costumo dizer a todas as pessoas que o fazem é que não é um acto de fraqueza, mas um acto de enorme coragem, pois admitir que não se sente bem e que algo não está bem e tomar a iniciativa de querer alterar esse estado, só pode ser mesmo de alguém muito corajoso. Tal como em qualquer problema físico, em saúde mental, quanto mais cedo for feito o diagnóstico, mais fácil será o caminho para a resolução do problema. A psicologia não deve ser olhada como um problema mas como um caminho para a solução.
Seremos nós os que melhor nos conhecemos a nós próprios, às nossas forças e fraquezas, e tal como nas passagens de caminhos-de-ferro que existem as placas a dizer “Pare, escute e olhe”, considero que é tempo para fazermos isso mesmo, pararmos, nem que seja 5 minutos ao fim do dia, olharmos para dentro de nós e escutarmos o que o nosso corpo e cabeça estão a dizer, porque muitas vezes os sinais estão lá, mas não os queremos ouvir e ver, ou esse caminho poderá ser doloroso.
Quem nunca se sentiu ansioso com todas as mudanças que tiveram que acontecer com a antiga e actual situação? Mas caso essa ansiedade e pensamentos negativos sejam cada dia mais frequentes e duradouros, e comprometam o seu trabalho e o seu dia-a-dia pessoal. PARE, ESCUTE E OLHE.
Quem nunca dormiu mal, por questões relacionadas com problemas no trabalho e/ou da vida pessoal? Mas caso esse dormir mal, seja prolongado no tempo e consequentemente os níveis de cansaço e/ou ansiedade estejam mais altos PARE, ESCUTE E OLHE.
Quem nunca neste período esteve preocupado com questões profissionais e pessoais, e com o ter de conseguir conciliar estes dois mundos? Mas se essas preocupações começarem a ter impacto constante e regular no seu bem-estar, no desempenho das suas funções e relacionamento com colegas, familiares e amigos. PARE, ESCUTE E OLHE.
Quem nunca se sentiu exausto, com questões profissionais e pessoais? Mas se o sentimento de fadiga, confusão e desorganização mental for muito duradouro. PARE, ESCUTE E OLHE.
Quem nunca sentiu medo neste período? Mas caso esteja constantemente hipervigilante, e que esse medo seja cada vez mais intenso, tendo implicações no seu dia-a-dia e na forma de lidar com os outros. PARE,ESCUTE E OLHE.
Quem nunca nesta situação de confinamento e pós confinamento esteve/está menos tolerante com algum colega/amigo/familiar? Mas caso essa situação seja continuada e em crescendo ao nível de agressividade e não ocorrer com apenas um colega/amigo/familiar, mas com todos eles. PARE, ESCUTE E OLHE.
Quem nunca em determinada fase se sentiu triste por determinadas circunstâncias da vida? Mas caso esses pensamentos sejam cada vez mais duradouros no tempo, mais intensos e surgirem cada vez mais frequentemente. PARE, ESCUTE E OLHE.
Se algumas destas situações descritas, ou outras mais se verificarem, é importante PARAR, ESCUTAR E OLHAR, e procurar a ajuda necessária.
Nestes tempos de incerteza que vivemos, o que eu aconselho é que possamos ficar mais atentos a nós próprios e aos sinais que vamos tendo, para que nem estas nem outras situações nos retirem do caminho que queremos seguir, o de sermos felizes e termos uma vida harmoniosa.