Já estamos deste lado, finalmente em 2021, deixando para trás o infame 2020 e com muito gosto! Mas… será mesmo assim? Será que 2020 é mesmo um ano para esquecer?
Penso que não. Aliás, considero que deve ser um ano para mais tarde recordar, por, pelo menos, três ordens de razão.
Primeiro porque perdemos muitas vidas, tanto vítimas de Covid-19 como de outras doenças que deixaram de ter a atenção devida e por isso tiveram um aumento na taxa de mortalidade, do mesmo modo que também perdemos muitos empregos e com tudo isto muitas famílias viram as suas vidas devastadas. A não esquecer, portanto, para que nos comportamentos que influenciam e vão continuar a influenciar quaisquer destes números, todos possam rever a sua atitude e comportamentos, pensando nos outros e não apenas em si próprios.
Em segundo lugar, porque na reação a esta crise de escala mundial as pessoas mostraram que a Humanidade não tem, de facto, comparação com qualquer outra espécie. Fomos bem feitos, preparados para evoluir e sobreviver em quaisquer circunstâncias e isso ficou bem patente na mobilização mundial, transversal a diversos setores de atividade, na resposta à pandemia. Empresas concorrentes trabalharam lado a lado na procura de soluções para fabricar o que era preciso, desde máscaras a ventiladores e tudo o que pudesse aliviar os efeitos da pandemia. Os serviços de comunicações adaptaram-se à nova realidade com enorme rapidez e resiliência, aquilo que era excepção passou a ser regra e estamos já formatados a ter como companhia os quadrados no ecrã ao longo de todo o dia. Decisões que esperavam luz verde foram tomadas de um dia para o outro e a transformação digital entrou em todo o lado, como qualquer evolução rápida, sem dar hipóteses aos mais distraídos ou cépticos e premiando os que, no pólo oposto, viram oportunidades em tudo o que se estava a passar. Em suma, aquilo que na primeira semana de Março estava em planos estratégicos, ainda longínquos, no final desse mesmo mês estava implementado. Formidável!
Um terceiro aspecto a recordar, foi o olhar com que 2020 nos obrigou a ver pequenos gestos, provavelmente banalizados na espuma dos dias apressados de antigamente. Poder estar com amigos e família sem restrições, o simples facto de dar um beijo ou um abraço, a rotina nos locais de trabalho, quantos não queriam estar de volta ao trânsito, pelo menos em alguns dias, para poderem beber aquele café com os colegas? As idas ao futebol, os almoços de domingo, enfim, aquilo que demos por adquirido e que provavelmente não saboreamos devidamente, foi-nos tirado abruptamente e passámos a dar-lhe um valor que não sabíamos que tinha. Também aprendemos a valorizar pessoas que muitas vezes passavam despercebidas, como os operadores de supermercado, polícias, estafetas take-away, assistentes de call center, todas as funções na área da saúde e tantas outras. Por isso, agradeçamos a 2020 a capacidade de reconhecer o papel complementar de todas estas actividades que fazem funcionar a nossa sociedade, esperando-se, com menos preconceito e mais respeito por todos.
É tudo isto que nos deve fazer recordar 2020. Honrar a memória dos que sucumbiram, adoptar comportamentos responsáveis e capitalizar os ganhos da rápida transformação que foi feita quando a isso fomos obrigados. Não podemos perder esta capacidade de evolução, passando a agir como se estivéssemos sempre em modo pandemia, pois o crescimento quer-se agora robusto e sustentável, para que possamos recuperar dos estragos que vieram com estas preciosas lições que nos chegaram. Se não por mais nada, suporto-me nestas três lições para mais tarde recordar este 2020 tão mal afamado.