A capacidade que temos de motivar alguém a ser a melhor versão de si mesmo, a beleza de conseguir encontrar a melhor função para cada pessoa e ver as pessoas serem bem-sucedidas quando essa beleza acontece é o que mais motiva Clara Trindade.

Entrevista a Clara Trindade, Chief HR Experience Officer da L'Oréal.

 

Em criança, o que queria ser quando fosse “grande”? 

Quis ser muitas coisas, desde patinadora a hospedeira de bordo. Quase todos os desportos me fascinavam, experimentei muita coisa e penso que, acima de tudo, sempre pensei que podia ser o que eu quisesse, foi algo que os meus pais sempre me incentivaram, a mim e às minhas irmãs. 

Seria uma questão de lutar por isso e de me rodear das pessoas certas!

 

Na sua adolescência, quais eram as suas áreas de interesse e o que se imaginava a fazer profissionalmente? 

Tive a sorte de ser boa aluna em quase tudo menos nas áreas relacionadas às artes – as minhas duas irmãs foram claramente as escolhidas neste campo. Sempre gostei muito de matemática, acho é o meu lado racional e pragmático. Mas gostei sempre também muito de línguas, talvez porque a comunicação para mim é como o oxigénio que respiro e porque, de alguma forma, falar outras línguas já nessa altura me abria a porta a outras experiências. 

Aos 14 anos estava muito segura que o meu desejo era ser economista.

 

A sua formação universitária é precisamente em Economia. O que motivou essa escolha? 

Não tinha economistas na família mas tinha, como disse, um grande gosto pela matemática, e quando fiz os testes psicotécnicos estes apontavam claramente para a gestão ou economia. Quando pesquisei sobre os dois temas, encontrei muita coisa escrita pelo professor César das Neves, que mais tarde veio a ser meu professor, e fiquei encantada pela forma como descrevia temas complicados de forma tão simples – descobri que não havia almoços grátis – conceito essencial da economia chamado “custo de oportunidade” – e pela visão de que a vida é feita de ciclos, económicos e não só, que podem ser impactados/ desviados de forma consciente ou não. 

Então, sem pestanejar, “Economia, aqui vou eu!”.

 

E como daí chega à Gestão de Pessoas?

Sempre achei que ia ser economista. Fiz inclusive Erasmus na Sorbonne, em Paris, e de facto foi só no meu primeiro estágio em Finanças que percebi que não seria este o meu caminho. Falando com quem me conhecia bem, acabei por concorrer para ser trainee em consultoria de Recursos Humanos. Consegui e rapidamente me apaixonei por esta área. Talvez também por isso defenda que os estágios são tão importantes, porque nos dão esta possibilidade de experimentar e de nos conhecermos melhor a nós próprios, e podermos dar um próximo passo que tenha mais a ver com o nosso propósito, com aquilo que nos trouxe a este mundo e nos faz ser feliz.

 

O que mais a apaixona nesta área?

O potencial humano, sem dúvida! A capacidade que temos de motivar alguém a ser a melhor versão de si mesmo, a beleza de conseguir encontrar a melhor função para cada pessoa e ver as pessoas serem bem-sucedidas quando essa beleza acontece! A crença mais do que provada de que o talento e as habilidades podem desenvolver-se continuamente e portanto ver as pessoas evoluírem, darem saltos carreira, serem capazes de alcançar feitos extraordinários, quando às vezes sem o nosso empurrão achavam que não eram capazes.

 

E o que menos gosta/ representa um maior desafio? 

O maior desafio está na redefinição no papel de Recursos Humanos, do gestor de Pessoas e do colaborador na organização, de modo a equilibrar a contribuição de cada um no desenvolvimento das pessoas e, consequentemente, no negócio. Esta para mim é a verdadeira  transformação de RH, e que passa por redefinir uma nova experiência de colaborador, offline mas também online, potenciada por uma transformação digital. 

O desafio consiste portanto em ter um gestor de pessoas que desenvolve a sua equipa com a mesma proximidade e ambição com que desenvolve o negócio; um colaborador que tem uma experiência personalizada e humana, na qual é empoderado a ser ator do seu desenvolvimento, um RH que é um conselheiro de confiança e que desempenha efetivamente o seu papel de desenvolvedor pessoas.

 

Começou o seu percurso em Consultoria, depois passou para “o cliente”. Que aprendizagens destaca nestas duas fases?

Estive em consultoria de RH uma década, onde tive a oportunidade de trabalhar em vários países, em vários continentes, como parceira de pequenas e grandes empresas, em todo o tipo de sectores. Foi aí que me apaixonei por RH, onde aprendi à velocidade da luz e onde tive a certeza que era esta área que me fazia feliz.

Aprendi sobre os vários processos de Gestão de Pessoas, da remuneração à gestão de talentos; aprendi a trabalhar em equipa e a gerir equipas, pequenas e grandes – e acima de tudo diversas –; aprendi um pouco sobre quase todas as indústrias e sectores – adorava em especial a oportunidade de visitar uma fábrica; aprendi a escutar os clientes e a saber traduzir as suas necessidades; aprendi a comunicar e negociar com todo o tipo de pessoas, do analista ao presidente da empresa. Aprendi que apesar de cada empresa ser um mundo à parte, muitas vezes os problemas e as oportunidades se repetem. 

Já no cliente, na minha passagem para a Heineken, aprendi que um bom powerpoint pode ser um bom suporte conceptual, mas na vida “real” nem sempre há uma causa efeito linear; que é preciso adaptar, ser ágil e a cada momento garantir um bom equilíbrio das necessidades do negócio e das pessoas; que uma empresa são várias miniempresas, se quisermos ser verdadeiramente inclusivos, temos personas e populações com necessidades específicas onde  “one size does not fit all”.  E aprendi que um bom RH tem um impacto muito importante nas pessoas, managers e equipas, desde a atração de grandes profissionais, à co-criação de equipas de alta performance ou à retenção de talentos.  

 

Começou a sua aventura L’Oréaliana em 2016. O que recorda de quando integrou a empresa e o que considera mais distintivo, seis anos depois?

Quando entrei na L’Oréal, como diretora de Recursos Humanos da filial portuguesa, o Grupo acabava de começar um processo de transformação cultural significativo, que implicava uma evolução importante no perfil das lideranças, nas competências de todos os colaboradores e, portanto, com um impacto grande em todos os processos de gestão de Recursos Humanos, com nuances importantes nos perfis a recrutar, no processo de gestão de desempenho e recompensa, na estratégia de formação e desenvolvimento, etc. 

Foi uma oportunidade excecional esta de fazer parte da empresa num momento tão importante. 

Seis anos depois, o mundo mudou tanto, e nós temos uma visão ainda mais ambiciosa para a Gestão de Pessoas. 

 

O que faz uma Chief HR Experience Officer? 

A minha função é nova no Grupo e surge num contexto muito particular. O Grupo redefiniu a sua People Vision para 2030: queremos uma cultura centrada nas pessoas, uma cultura inclusiva, inovadora e inspiradora, para criar a beleza que faz avançar o mundo!

E para sermos uma organização verdadeiramente people centric e garantirmos uma experiência humana que coloca os colaboradores no centro, temos de repensar os nossos processos de Recursos Humanos, ao mesmo tempo que criamos uma nova experiencia digital, integrada e igual para a L’Oréal em todo o mundo. Este grande projeto de transformação, a que chamamos ONE HR, trata-se portanto também de uma grande transformação digital.

O meu papel é trazer a voz dos países para a sede, pelo conhecimento que tenho de ‘terreno’, em Portugal mas também internacionalmente, e garantir que alavancamos a experiência de RH e a nossa People Vision no desenho dos novos processos de RH e na nova plataforma tecnológica que estamos a implementar. 

Lidero de forma direta e indireta uma equipa muito internacional e diversa, que trabalha em estreita colaboração com os países e com as funções corporativas em Paris. Sendo um projeto de transformação, há uma grande componente de change management, que implica comunicação, formação, entre outros, junto às equipas de RH mas também junto aos managers e colaboradores em geral, impactando os 89 mil colaboradores da L’Oréal, em todo o mundo. 

 

Já tinha tido várias experiências internacionais, antes da função que tem atualmente. Como as compara com as experiências nacionais? Em que âmbito mais divergem uma da outra?

Mais do que estar em Paris, agora, e antes em Lisboa, a grande diferença que sinto hoje deve-se ao facto de estar numa função corporativa/ mundial na sede, versus estar numa função na “ponta”, numa filial do Grupo. 

Na sede estamos a pensar pelo menos cinco anos à frente, temos muitos mais recursos mas também muito mais stakeholders para gerir e portanto mais complexidade, o perímetro é o mundo e é nossa responsabilidade definir uma visão e um frame/ direção no que toca às políticas de Recursos Humanos e às principais ferramentas que colocamos à disposição dos países. 

Num país lidamos diretamente com os desafios de Gestão de Pessoas e, apesar de sermos donos da estratégia para o nosso mercado, estamos mais no lado da ativação do que da criação. 

Como pontos comuns, diria que hoje, em qualquer função, estamos sempre a aprender, temos de estar muito atentos ao mercado e ao feedback dos clientes / stakeholders, temos de ser muito ágeis, interconectados, corajosos e humildes ao mesmo tempo.

 

Atualmente, quais são os seus principais desafios?

Há muitos stakeholders para gerir, para fazer convergir, é uma organização complexa com diferentes geografias, diferentes unidades de negócio e estruturas matriciais que se sobrepõem. 

Depois, neste tipo de função, o meu foco é médio e longo prazo, implica antecipar tendências e redefinir ou criar uma nova experiência de RH para o Grupo, em todo o mundo. 

Não menos importante, é também um projeto de tecnologia, o que é uma área nova para mim, onde tenho de tomar decisões diariamente para garantir que avançamos na transformação digital e que esta responde às necessidades do Grupo. 

E tudo isto num contexto desafiador: criar uma visão comum, criar confiança na equipa e garantir que estão todos a trabalhar na mesma direção, que lançamos uma nova experiência de Gestão de Pessoas e que, acima de tudo, a conseguimos sustentar no tempo.

 

E dos gestores de pessoas, em geral, quais acredita que serão os principais desafios nos próximos anos?

O mundo muda mais rápido do que alguma vez antes e, portanto, é preciso mais momentos de discussão e alinhamento entre as equipas. Os colaboradores têm novas expectativas, querem um coach e não um chefe, o foco não é o trabalho mas a vida, querem experiências personalizadas, querem tomar as rédeas e ser protagonistas. 

O mundo é maior do que o nosso manager, porque as organizações e as formas de trabalho estão a evoluir e há cada vez mais equipas de projeto, squads e comunidades transversais, onde a cooperação e inter-conectividade é chave. Portanto, é fundamental alavancar estas relações. 

Por fim, para continuarmos a estar à frente do jogo, é preciso desenvolver novas competências, em tantas áreas – como é o caso de data e digital – e por isso é fundamental acelerar a aprendizagem das pessoas. 

Isto exige aquilo a que na L’Oréal chamamos de “People Deal”: uma relação virtuosa entre (1) colaboradores, que são empoderados com mais autonomia para contribuírem mais para o seu próprio desenvolvimento; (2) managers, que são incentivados a contribuir mais para o desenvolvimento da sua equipa e (3) equipas de RH, que são habilitadas a desempenhar de forma eficaz o seu papel de desenvolvedor de pessoas. 

Esta transformação passa por colocar verdadeiramente as pessoas e a sua gestão no centro da organização e impulsioná-las com maior transparência, maior empowerment e uma experiencia personalizada e humana.

 

Que tendências perspetiva para o mundo do trabalho? 

A guerra pelo talento continuará, as organizações encontrarão novos equilíbrios para os novos modelos de trabalho, estes modelos e os de remuneração continuarão a transformar-se, o foco na cultura tornar-se-á dominante – e uma arma contra a inflação –, a agenda de responsabilidade social e ambiental será mais generalizada nas empresas, a função RH terá um papel mais significativo no clima organizacional, a diversidade, equidade e inclusão será mais institucionalizada, o bem-estar um fator chave de resiliência organizacional, a escolha e a flexibilidade serão fatores chave de decisão – do trabalho e modelos de emprego aos programas de benefícios, carreira e desenvolvimento –, e haverá um foco maior em riscos ”conectados” – geopolíticos, volatilidade económica, saúde da população, mudanças climáticas, talento, tecnologia, etc. 

 

Quem é a Clara, para lá da profissional? 

Sou mãe orgulhosa da Maria e do Miguel, de 11 e 9 anos; ela uma menina linda jogadora do Paris-Saint-Germain, ele um grande desportista também e o amigo popular e humorado da turma. Sou mulher do Pedro, o Vianense mais charmoso de sempre, que me acompanha nesta aventura que é a vida há já quase 20 anos. 

Sou uma pessoa com muita energia, que adora quase todos os desportos: em especial jogo ténis, ando de bicicleta e corro todas as semanas. Adoro comer e especialmente experimentar novas gastronomias/ receitas, com amigos, família e no ritual a dois que tenho quase todos os fins de semana com o meu marido. 

Passear para mim é como comer, um hábito necessário e que me dá tanto prazer. Tenho um apelo especial pelo tema da diversidade, equidade e inclusão, e portanto motiva-me muito toda e qualquer iniciativa que me permita incluir / ajudar alguém que não tem a mesma sorte que eu. 

Sou uma pessoa muito feliz e grata, e tenho mesmo muita sorte com tudo o que já consegui conquistar na vida. Sou uma otimista por natureza e acredito mesmo que tudo o que se quer na vida se consegue, pelo menos quase tudo.

entrevista a:
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clara trindade

chief hr experience officer da l'oréal