Nesta época de crise pandémica, as prioridades da Repsol têm sido, para além de garantir a segurança de colaboradores, clientes e parceiros, a manutenção dos postos de trabalho, a gestão dos custos e desenvolver um plano de resiliência por forma a assegurar confiança e solidez financeira. Um vector fundamental a tudo isto é a confiança.
Entrevista a Armando Oliveira, administrador delegado da Repsol Portuguesa
Armando Oliveira, administrador delegado da Repsol Portuguesa conta como a empresa reagiu e geriu a crise provocada pela COVID-19 – que evoluiu de crise sanitária para crise económica –, desvendando prioridades para o futuro e tendências que perspectivam para o sector da Energia e também para a mobilidade, com uma certeza: «Podemos alterar rotinas, trajectos e espaços, mas o ser humano necessita de se movimentar, está na sua génese.»
Numa primeira fase, como é que a Repsol reagiu e geriu à situação de crise criada pela pandemia COVID-19?
A Repsol acompanhou, desde o primeiro momento, a evolução do novo coronavírus, seguindo as recomendações gerais da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Direcção-Geral da Saúde (DGS), por forma a salvaguardar a saúde dos seus colaboradores, clientes e parceiros.
Logo a 12 de Março, dando seguimento aos planos de contingência e de continuidade de negócio, e focados na protecção e segurança das nossas pessoas, iniciámos o regime de teletrabalho para todos os colaboradores não operacionais cuja actividade assim o permitisse. Depois, fomos monitorizando a evolução da situação, sendo que, enquanto fornecedores de energia, o nosso foco principal sempre esteve em assegurar o fornecimento contínuo dos produtos energéticos aos nossos clientes, garantindo todas as medidas de segurança previstas nos planos de contingência.
Quais foram as vossas principais preocupações?
A Repsol, enquanto fornecedor de multienergia com presença em todos os distritos do País, esteve naturalmente focada no abastecimento dos seus clientes, sejam eles industriais ou particulares, nas estações de serviço ou levando-lhes as garrafas de gás a casa, garantindo a manutenção de serviços e produtos que são nevrálgicos para as cadeias de abastecimento e essenciais ao funcionamento da economia. Para isso, mantivemos todas as instalações e fábricas em funcionamento.
Complementarmente ao plano de continuidade do negócio, alterámos o protocolo de actuação nas estações de serviço e na distribuição do gás, com o objectivo de dotar a organização de uma maior resiliência e capacidade de resposta às novas circunstâncias.
Actuámos em várias esferas. Numa primeira fase, fornecemos equipamentos de protecção individual (EPIs) aos nossos parceiros de negócio e facultámos mais de 20 mil máscaras FFP2 e cirúrgicas a várias Instituições. À medida que fomos percebendo as carências das instituições, doámos milhares de EPIs, tais como fatos, óculos, luvas e batas, bem como termómetros, para hospitais. Através de produção própria no Repsol Technology Lab, oferecemos também mil litros de gel hidroalcoólico a várias instituições. Fornecemos, também, polímeros para o fabrico de milhares de viseiras com impressoras 3D.
E a todos aqueles que estiveram na linha da frente no combate à pandemia oferecemos, nas nossas estações de serviço, cafés e refeições take-away.
Como referiu, vários trabalhadores precisaram continuar a sua função fora de casa, enquanto outros que ficaram em teletrabalho. Como geriram essa “dualidade”?
Durante o período de confinamento, todos os colaboradores da Repsol cujas funções fossem compatíveis estiverem em regime de trabalho remoto. Para os restantes, cuja actividade não o permitia, reforçámos todas as medidas de higiene e segurança.
Num universo de cerca de 250 colaboradores que habitualmente trabalham no escritório em Lisboa, todos experimentaram o trabalho remoto, sendo que, pontualmente, uma ou duas dezenas manteve a sua actividade operacional em terminais de expedição de produtos, para permitir que as operações decorressem sem interrupções a receber, armazenar e expedir combustíveis para os postos de abastecimento e para os clientes industriais, de distribuição e revenda, da agroindústria, da marinha, da construção civil, entre outros, que continuaram a laborar normalmente.
Nesse período, que preocupações tiveram e que prioridades assumiram? Como se gerem equipas nessas circunstâncias excepcionais?
A nossa principal preocupação, em todos os momentos, foi, como sempre, a protecção e segurança dos nossos colaboradores e parceiros. À medida que garantimos a primeira premissa, e tendo em consideração a nossa responsabilidade, ajustámos os processos, de forma a garantir o fornecimento ininterrupto de energia e de outros bens de primeira necessidade à sociedade.
As várias equipas que integram o Grupo Repsol compreendem a responsabilidade e o impacto que os nossos produtos e serviços têm na sociedade e na economia. Segurança, compromisso e determinação foram as palavras de ordem durante este período.
Acreditamos que a comunicação entre equipas é a força motriz de qualquer organização, na medida em que funciona como alicerce, não apenas para o normal fluxo comunicacional necessário ao funcionamento da actividade, mas, essencialmente, porque permite cultivar a motivação, dedicação e resiliência. É nesta modalidade de comunicação que reside o ónus de promover este sentimento de inclusão e de incrementar as valências relacionais, de maneira a desenvolver uma organização mais coesa e capaz.
As equipas que estiveram em teletrabalho já estão a regressar?
Parte das equipas regressaram aos escritórios centrais em Junho, porém, previamente, elaborámos um “Plano de Regresso aos Escritórios e Centros de Trabalho”, composto por um conjunto de medidas e procedimentos que garantem a máxima segurança de todos, de maneira a incorporar, progressivamente, os trabalhadores nos seus locais de trabalho.
Cada unidade de negócio, tendo em consideração o nível de actividade necessário e a capacidade máxima dos espaços de escritório e locais de trabalho, estabeleceu quais os trabalhadores para o regresso ao escritório, tendo em consideração diversos factores como, por exemplo, pertencerem a grupo de risco, a existência de filhos menores e a disponibilidade de transporte individual. Também temos praticado uma rotação a cada duas semanas, sendo que o escritório está devidamente preparado e nunca excedemos a sua carga biológica nominal.
Que medidas excepcionais adoptaram?
Foram adotadas diversas medidas, que dividiria em sete eixos:
- Medidas básicas de higiene e controlo, medição da temperatura corporal, antes de iniciar a actividade laboral (sem registo biométrico); utilização de máscara de protecção – facultadas pela Repsol –, durante o horário de trabalho; disponibilização de desinfectantes de base alcoólica em vários pontos das instalações; adopção do distanciamento social de pelo menos dois metros;
- Medidas de controlo da mobilidade, onde se englobam a suspensão das viagens internacionais e a limitação das nacionais; disponibilização de lugar de garagem para os colaboradores que estão nos escritórios, por forma a evitar a sobrelotação dos transportes públicos;
- Medidas de acesso aos espaços comuns, apelando-se à preferência de utilização das escadas, em detrimento do elevador; fixação de sinalética para o cumprimento dos dois metros de distanciamento social;
- Medidas nos postos de trabalho, que têm em consideração a regulação da temperatura, renovação do ar interior; redistribuição dos lugares, de maneira a cumprir o distanciamento social de dois metros; obrigatoriedade do uso de máscara e utilização de luvas descartáveis ou solução de base alcoólica aquando da utilização de equipamentos multifunção e nas situações de partilha de objectos e implementação de uma política de escritórios sem papel;
- Medidas na disponibilidade de serviços e instalações, tendo sido encerradas as salas de reunião formais e informais e definimos horários desfasados por grupos de trabalhadores nos serviços de refeitório;
- Medidas de limpeza e desinfecção, que garantam o reforço de todas as actividades de limpeza, com incidência especial em superfícies dos locais comuns;
- Medidas formativas, com todos os colaboradores a ter formação específica sobre a COVID-19 e medidas sanitárias, antes de regressarem aos escritórios e instalações da Repsol.
E a nível de modelos de trabalho e políticas de gestão de pessoas, o que mudou?
O novo coronavírus veio acelerar o processo de digitalização da sociedade e alterar os modelos actuais de trabalho e de vida, isso é inegável. Não me parece verosímil continuar tudo igual após ultrapassarmos este vírus, pelo que é importante compreender que existirá um “novo normal” e que este irá impactar as organizações a vários níveis.
A mudança é, ela própria, geradora de desconforto e ansiedade, pelo que nos cabe a nós entendê-la e desenvolver as ferramentas necessárias para ultrapassarmos, em conjunto, esta pandemia.
As nossas pessoas evidenciaram um enorme espírito de missão em todos os momentos. A rápida adaptação a uma situação em que foi necessário suprimir o atendimento presencial, sem que os serviços parassem, foi muito facilitada por medidas já existentes na área da transição digital e da simplificação da relação online com os nossos clientes.
O consumidor está a mudar as suas formas de consumo e, durante esta fase da pandemia, em termos tecnológicos, houve uma evolução notória, em apenas alguns meses. Uma das grandes mudanças é precisamente essa, a forma como os clientes se relacionam com as empresas.
Cabe-nos a nós continuar o caminho que estávamos e estamos a trilhar, no relacionamento com os clientes e parceiros, nos canais de comunicação e na criação de soluções para os desafios com que nos deparamos.
O que destacaria, de melhor e pior, desde Março?
A pandemia da COVID-19 demonstrou o sentido de responsabilidade e a solidariedade da Repsol e dos seus colaboradores. Num contexto adverso, soubemos reajustar e encontrar formas de contribuir para o combate à propagação do vírus, ao mesmo tempo que providenciávamos os serviços e produtos para o normal funcionamento da economia.
Os casos de apoio, como os da Repsol, têm-se multiplicado, e foram várias as indústrias a alterar os seus processos produtivos para responder à escassez de produtos de primeira necessidade, num esforço de grande patriotismo e colaboração. Destacaria estes dois acontecimentos como o que de melhor a pandemia espoletou.
No sentido inverso, a grave crise económica e social, que, naturalmente, gera ansiedade e receio às pessoas.
Tiveram que recorrer ao lay-off?
A Repsol não colocou nenhum dos seus colaboradores em regime de lay-off, mesmo após se confirmar o relevante impacto económico causado pela pandemia.
Durante os vários estágios, transmitimos serenidade aos nossos colaboradores, facultando-lhes as condições necessárias para desempenharem o seu trabalho proficuamente, pois temos consciência da importância dos nossos produtos e serviços para a sociedade.
Como asseguraram a manutenção dos postos de trabalho?
A confiança é um vector fundamental da nossa actividade. Por esse motivo, fazemos da transparência um valor base em todas as ações que desenvolvemos. Somos uma grande empresa. Para além disso, não queremos deixar ninguém para trás. Acreditamos em todos e acreditamos no futuro. Vamos precisar de todos para ultrapassar este ciclo. Da sabedoria dos quadros mais antigos e da ousadia das gerações mais jovens.
Os próximos tempos exigirão uma imensurável resiliência às empresas. O capital humano assumirá um papel de enorme relevância nesse esforço de recuperação económica, pelo que é fundamental o empenho e resiliência de todos. Fomos confrontados com um obstáculo que ninguém estava à espera, mas estamos certos de que conseguiremos ultrapassar esta crise e maximizar as oportunidades deixadas por ela.
Já conseguem ter ideia dos prejuízos e de por quanto tempo eles se vão fazer sentir na vossa atividade?
É importante ressalvar que o sector da Energia se divide em duas grandes indústrias, a do Oil & Gas e das Utilities. O impacto da pandemia não foi similar em cada uma delas. A primeira, composta pelas actividades de exploração e produção de petróleo e gás natural, pela refinação de produtos petrolíferos e pela distribuição e comercialização a clientes domésticos e empresarias, e principalmente o sector dos transportes e mercadorias, enfrentou um recuo do lado procura, ao mesmo tempo que se deparou com uma queda abrupta dos preços do petróleo.
Face aos custos de produção e à dificuldade em escoar o produto, devido à quebra na procura, muitas das empresas, nomeadamente do mercado norte-americano, foram forçadas a encerrar a sua actividade.
Estes dois factores combinados fazem com que a indústria do Oil & Gas tenha sido uma das mais afectadas pela crise espoletada pela COVID-19, só mesmo ultrapassada em termos de impacto pelas indústrias da Aviação e do Turismo. Nesta fase, estamos a assistir a uma recuperação gradual nestes dois eixos fulcrais para a actividade, e esperamos recuperar o mais possível até ao final do ano. Com base nas estimativas geradas pela recuperação, desenharemos o plano para 2021.
Como redefiniram - se é que tiveram que o fazer - a estratégia que tinham definido para 2020?
Privilegiámos a manutenção dos postos de trabalho, a gestão dos custos e desenvolvemos um plano de resiliência por forma a assegurar confiança e solidez financeira.
O nosso foco na relação com os clientes foi acentuado, pois sabemos que o nosso negócio vive de transações comerciais para as quais a proximidade comercial é fundamental, e soubemos criar as condições, devidamente adaptadas, para esse desempenho a nível da proximidade comercial.
Apesar dos constrangimentos causados pela crise sanitária, os nossos objectivos empresariais não se alteraram. Queremos liderar a transição energética pelo exemplo e atingir a meta estabelecida, em 2019, de zero emissões líquidas de CO2 em 2050.
Para tal, estamos a actuar em várias frentes: nos combustíveis sintéticos, nos biocombustíveis, onde tivemos recentemente um bom exemplo no sector da aviação, em que produzimos o primeiro biojet, na energia eólica offshore, em Viana do Castelo, através do primeiro parque eólico flutuante da Europa Continental, que está agora totalmente operacional e já está a fornecer energia limpa à rede elétrica portuguesa.
Estamos, ainda, a contruir parques solares e eólicos com o objectivo de produção total de 7,5 gigawatts (GW) de geração eléctrica baixa em carbono, em 2025.
Numa sinergia com parceiros internacionais, apresentámos, recentemente, dois projectos ibéricos de descarbonização e economia circular. O primeiro consiste na construção de uma das maiores fábricas do mundo de produção de combustíveis com zero emissões líquidas a partir de CO2 e hidrogénio verde, gerado com energia renovável.
O segundo será uma fábrica de geração de gás a partir de resíduos urbanos, que substituirá parte do consumo dos combustíveis tradicionais utilizados no processo de produção da Petronor, parceira da Repsol nos dois projectos.
Para além do mencionado acima, é substancial referir que a Repsol é líder ibérica em pontos de carregamento eléctricos, com mais de 1.200, e prevê-se novidades neste sector num futuro próximo, à medida que a procura por este tipo de soluções aumentar.
Estamos conscientes dos desafios, mas também estamos confiantes e queremos potenciar as oportunidades. E, para estes desafios, precisamos das nossas pessoas, pois só elas nos permitem a anteriormente referida, proximidade comercial.
Qual é o principal desafio agora?
O maior desafio, transversal a todo o tecido empresarial português, é a recuperação da actividade económica. A digitalização e a transição energética caminham lado a lado e fazem parte da solução. Urge, portanto, minimizar os riscos, de maneira a proteger as nossas sociedades e economias e prepará-las para o futuro.
A transição energética e a descarbonização são oportunidades para canalizar o investimento em projectos sustentáveis, para que possamos reafirmar a liderança europeia na indústria e precaver futuras carências nas cadeias de abastecimento, especialmente nas indústrias da saúde, medicina e automóvel.
O futuro será assente na multienergia, na equidade entre tecnologias e num modelo de inovação em rede, onde o investimento em investigação e desenvolvimento é a chave para enfrentar os desafios da procura global de energia de forma sustentável. Esta é a identidade que o mercado nos reconhece desde sempre, e que iremos sempre conservar e promover ao longo da nossa evolução.
Que tendências perspectiva para o futuro, nomeadamente em termos de mobilidade? Este tema do teletrabalho, para empresas como a vossa poderá ter um impacto negativo já que implica que as pessoas não tenham que se deslocar tanto...
A pandemia criou uma disrupção a vários níveis, incluindo no mercado laboral. Não é expectável, mesmo após a comercialização da primeira vacina, que, por exemplo, existam tantas viagens de trabalho. Não obstante, antes de tentarmos discernir, por antecipação, como será o mundo pós-pandemia, é útil e necessário olharmos para as tendências que se desenhavam anteriormente.
Assistiremos, certamente, a uma racionalização das deslocações, pois a digitalização dos negócios assim o permitirá. Porém, como ficou também comprovado com esta crise sanitária, existem muitos serviços que não são possíveis realizar à distância e que são indispensáveis para o nosso quotidiano.
A globalização, a desterritorialização e a mobilidade trouxeram inúmeras vantagens para a sociedade. Podemos alterar rotinas, trajectos e espaços, mas o ser humano necessita de se movimentar, está na sua génese.
Pela nossa parte, continuaremos com proximidade comercial, focados em servir os clientes, nas suas necessidades multienergéticas e em contribuir para o seu bem-estar.