Ana Santos assume-se como parceira sénior do negócio. Gosta de propor «soluções pragmáticas, em ambientes de negócios dinâmicos e diversos». Com mais de duas décadas de experiência, identifica tendências para um futuro cada vez mais VICA, e «perguntas poderosas» que as as empresas devem fazer.
Entrevista a Ana Santos, diretora de Recursos Humanos d’ A Padaria Portuguesa
Em criança, o que queria ser quando fosse “grande”?
Em criança, temos todos os sonhos do mundo e uma criatividade muito especial. Lembro-me de ter uma convicção enorme de que queria ajudar todas as pessoas e os animais ao cimo da terra, por isso, médica ou veterinária eram as profissões de eleição. Esta vontade percorreu um período longo de infância, com direito a receber um microscópio e um estetoscópio, logo aos 6 anos, e de importunar a família e os meus amiguinhos humanos e de quatro patas com experiências mirabolantes.
E como evoluíram essas preferências na adolescência? Quais eram, nessa altura, as suas áreas de interesse e o que se imaginava a fazer profissionalmente?
Na adolescência, e mais concretamente a partir dos 16 anos, a opção foi ser advogada, novamente romanceado pela ideia de ajudar os que estavam em apuros com a lei. E claro que ajudou nesta decisão no 11.º ano ter tido a disciplina de direito e ficar fascinada com os temas legislativos.
Esta opção andava lado a lado com a Música, pois desde jovem que tive aulas de piano e o conservatório foi também uma opção, mas ganhou o Direito!
Que área em particular a interessava no Direito? E o que mais – e menos – gostou no curso?
Como disse, a escolha do curso de Direito teve na base a ideia de que poderia ajudar quem estava em situação de apuros com a lei, por isso o foco esteve sempre muito no direito penal, que seria a área em que me queria especializar.
De facto, era consumidora assídua de séries e filmes sobre os grandes advogados no sistema jurídico americano, e tornei-me fã do sistema anglo-saxónico conhecido como common law, que se desenvolve a partir das decisões dos tribunais, e não pela codificação de leis. É praticado pelo Reino Unido, pela maior parte dos Estados Unidos e do Canadá. Mas o sistema português é de génese Romano-germânica e bem diferente do tom épico das séries americanas.
O meu percurso universitário foi muito interessante, pois gostei muito de direito penal – e processo penal em particular –, mas identifiquei-me com todo o estudo do direito. Aprendi muito em cinco anos de licenciatura.
A minha grande inquietação foi sempre como seria o percurso profissional nesta área, se me sentiria como “peixe na água”…
Pelos vistos não sentiu. Como daí chega à Gestão de Pessoas, onde tem desenvolvido a sua carreira?
A Gestão de Pessoas chegou com um interesse grande inicial, após terminar a licenciatura e enquanto fazia o estágio de advocacia, pela área de formação, pois decidi ter o curso de formação de formadores, e comecei em paralelo a assumir funções de formadora. E levei este tema mais longe, com a experiência como Responsável de Formação e Desenvolvimento de pessoas na Enatur- Pousadas de Portugal.
Em 2000 inscrevi-me no Master em Gestão Internacional de Recursos Humanos, e aí foi a descoberta do que poderia ser o “sítio” onde eu queria “morar”.
Aprendi muito sobre o papel e as competências de um gestor de Recursos Humanos (RH), fiquei fascinada com a ideia de continuar o meu percurso neste caminho e, foi sempre por aqui que desenvolvi a minha carreira.
O que mais a apaixona nesta área?
Diria que são os quatro pilares que me norteiam com os quais eu me sinto parte de um propósito maior:
- Compreender e alinhar o plano estratégico das pessoas com o plano de negócio da empresa, o que significa entender de forma clara a visão expressa pelo topo;
- Ouvir e envolver os vários níveis da organização, criando o contexto para mobilizar emocionalmente as pessoas, num papel híbrido de coach e mentora;
- Manter coeso e consistente o eixo pessoas/serviço/ produtividade, na ótica de que pessoas motivadas e empenhadas conseguem fazer mais e melhor;
- Comunicar de forma clara e transparente: as pessoas querem saber e fazer parte dos planos futuros e só assim revelam o seu potencial e se sentem parte do projeto.
Tem uma pós-graduação em neuro-liderança. Como surge este interesse e que aplicação/ utilidade tem – se é que tem – no seu dia-a-dia?
Ao longo do meu percurso, nunca parei de estudar e de querer aprender mais, e após concluir o curso de PNL avançada, decidi que fazia sentido investir nesta área de neuro-liderança. Apostei numa pós-gradução, intensa que exigiu muito estudo, mas que senti que me acrescentou muito enquanto pessoa e enquanto gestora de pessoas.
Liderar é a capacidade de levar os outros a fazer o queremos que eles façam, da forma que queremos que seja feita, porque eles o querem fazer, isto é, é a capacidade de influenciar pessoas a realizarem voluntariamente os objetivos do grupo/empresa.
Partindo desta definição, é muito útil no dia-a-dia de um gestor de Pessoas saber que a Neurociência permite o fortalecimento e treino do cérebro em relação aos processos necessários para exercer a liderança.
O desenvolvimento de competências de Neuro-liderança transforma o líder num Neuro líder capaz de transmitir paixão proatividade, motivação e de promover desempenhos superiores do seu talento e das pessoas que ele lidera.
A neuro-liderança consiste num conjunto de modelos de interação intra e interpessoal que permitem maximizar a eficácia e a eficiência de funções típicas de ato de liderar. Este conhecimento ajuda-me a manter a minha tranquilidade e a dos outros, minimizando o esforço emocional e gasto energético, porque liderar é um desafio.
Como foi o seu percurso profissional até à função atual?
O meu percurso já tem alguma longevidade, são 20 anos de muitas experiências em setores como Hotelaria, Indústria, Retalho, Farmacêutica, Bens de Consumo, Logística/Transporte e, agora, na Padaria Portuguesa, com uma boa aprendizagem de restauração.
Apostei em desafios que me permitissem ter um background global e uma sólida experiência em gerir diferentes stakeholders e equipas em diferentes continentes e países (EMEA, EUA e Ásia), sempre com uma orientação para Gestão Estratégica de Pessoas, Desenvolvimento de Talento, Design Organizacional e Gestão da Mudança.
Na minha marca pessoal, assumo-me como parceiro sénior do negócio, e gosto de propor soluções pragmáticas em ambientes de negócios dinâmicos e diversos.
Com experiência em várias indústrias e esse background global, o que destaca como principais “ensinamentos” em cada uma dessas fases?
Em todos os setores e empresas por onde passei, aprendi muito e tive diferentes experiências que me permitiram crescer enquanto pessoa e enquanto profissional. Diria que nos ambientes mais complexos, com ciclos económicos mais desafiantes, foi uma aprendizagem de resiliência e de mobilização de pessoas; e nos ambientes mais dinâmicos e em ciclos de crescimento e expansão do negocio, treinei agilidade e criatividade para avançar com foco e determinação.
Consegue identificar uma conquista que a tenha deixado particularmente orgulhosa ou com sentimento de missão cumprida?
Numa das multinacionais de Retalho onde desempenhei funções de direção de RH corporativas, estive dois anos a liderar, em supply chain, um processo de mudança organizacional que impactava imensos países em todos os continentes. Embora fosse um projeto complexo e que impactava muitas funções e pessoas, consegui, em equipa, manter bem vivos os meus valores e os da empresa, e num compromisso entre objetivos e pessoas chegámos ao final com um saldo muito positivo.
E recorda alguma decisão/ situação que tenha sido particularmente difícil/ desafiante?
Muitas decisões, em contexto organizacional e de Gestão de Pessoas, são desafiantes e têm de ser muito bem ponderadas. O respeito pelo outro e pelo nosso quadro de valores é sempre o barómetro que ajuda na tomada de decisão.
Atualmente, quais são os seus principais desafios?
No âmbito das funções de direção de Recursos Humanos na Padaria Portuguesa, seguramente numa fase de expansão e de inovação, tenho vários desafios muito interessantes, entre os quais pensar novas formas de sourcing e recrutamento de pessoas, com processos mais ágeis e que envolvam uma experiência de candidato memorável. Nesse sentido todo o programa de onboarding está a ser repensado para ser único e também ele inovador e potenciador de um ambiente onde todos possam crescer e materializar o seu propósito de carreira.
A diversidade e inclusão e a responsabilidade social são parte da agenda do dia e o meu desafio do coração.
O desafio de atrair e reter talentos, de os estimular e incentivar num contexto de competitividade no marcado de trabalho, de mobilizar emocionalmente quase 1000 colaboradores e recriar a cada passo o espírito de equipa e missão, é muito motivador e estimula a procura de soluções.
E dos gestores de pessoas, em geral, quais acredita que serão os principais desafios nos próximos anos?
Cada vez mais as organizações são redes sociais complexas, este modelo é conceptualmente diferente da visão das organizações há alguns anos como organigramas piramidais onde havia os que pensavam e os que executavam,
Neste pressuposto, a organização é um organismo vivo, e o seu desempenho não é linear. Estamos numa cadeia ou rede em que o comportamento do mercado vs organização vs pessoas é determinado por uma infinidade de variáveis. A gestão passa a ser sobre o relacionamento de todos os agentes e todas as variáveis.
No atual mundo VICA – volátil, incerto, complexo e ambíguo –, o gestor de Pessoas tem que assumir competências que lhe permitam responder aos desafios, e eu destacaria com tendências:
• agilidade, isto é, a capacidade de agir de forma rápida e precisa é valiosa;
• colaboração, ou seja, é preciso estimular a colaboração das equipas;
• multidisciplinaridade; o que significa expandir o conhecimento para áreas diferentes, pois só assim é possível entender o cenário de forma mais completa, ajudar na tomada de decisões e atuar de forma mais estratégica e menos operacional;
• criatividade, para pensar em soluções que sejam efetivas para esse momento de instabilidade. É preciso “pensar fora da caixa”, considerando as incertezas e ambiguidades que podem afetar projetos ou a organização;
• mindset digital, de forma tratar as ferramentas como aliadas e não inimigas, nomeadamente para utilizar data e analytics em Gestão de Pessoas, machine learning e inteligência artificial;
• resiliência, dado que o cenário é volátil, incerto e complexo, as chances de um projeto ter resultados negativos inesperados são maiores. É preciso ter tolerâncias às falhas e resiliência para se readaptar e pensar em novas soluções para avançar nos objetivos.
Que tendências perspetiva para o mundo do trabalho?
O mundo mudou e há perguntas poderosas para as empresas: quem somos como empresa, o que defendemos, o que queremos mudar no mundo e o que damos em troca a quem se quiser juntar a nós, são perguntas que os líderes têm que fazer e encontrar respostas.
Neste momento desafiante que atravessamos, será oportuno refletirmos e redesenharmos novos modelos de trabalho, apostando em propósitos individuais e coletivos onde todos sintamos que estamos a fazer a nossa parte para um mundo melhor.
Há tendências que se estão a materializar e que são o futuro do mundo do trabalho. Desatacaria algumas:
- Total Experience. Este será o será o novo paradigma nas empresas. A experiência do cliente, a experiência do colaborador, a experiência do utilizador e a multi-experiência combinam-se para criar um ecossistema de experiência completo, dentro e fora das organizações.
- Transparência e responsabilização da liderança. A empatia dos líderes desempenhará um papel importante no contexto do novo paradigma de trabalho. Os líderes terão, necessariamente, que compreender melhor as suas pessoas e equipas. A humanização e preocupação com o bem-estar das pessoas estará na ordem do dia, até porque reter talento está diretamente correlacionado com sentido de propósito e pertença na organização.
- Valorização da diversidade. Ter equipas com diversidade de personalidades, vivências, formas de pensar e resolver problemas, alinhado a um ambiente inclusivo, para todos os tipos de pessoas, é fundamental. A diversidade na empresa é um dos principais impulsionadores da criação de um ambiente inovador e um componente-chave para o crescimento em escala global.
- Sustentabilidade na ordem do dia. Uma abordagem bem fundamentada da sustentabilidade empresarial deve ser responsável pelos quatro pilares da sustentabilidade – Social, Humano, Económico e Ambiental – e as empresas vão cada vez mais lutar por operações sustentáveis.
- Big Data & Analitycs. Os dados precisam ser considerados, reunidos, analisados e visualizados, para ajudar a melhorar as decisões de todos os processos. É importante perceber que o big data não existe para substituir o trabalho humano, mas sim a orientá-lo para se obterem melhores resultados.
- Transformação digital e trabalho híbrido. Há duas partes fundamentais para uma transformação digital bem-sucedida. A primeira é a transformação das indústrias e empresas e o seu efeito nas competências. A segunda é o impacto que a digitalização tem na cultura de uma organização (por exemplo: recrutamento digital e remoto, integração na empresa – onboarding e liderança).
Todas as organizações irão tornar-se ‘indústrias inteligentes’ e as transformações digitais estão a afetar as empresa, transversalmente, independentemente do sector de atividade ou dimensão, sendo certo que nem todos os sectores têm hoje o mesmo grau de maturidade digital, pelo que os desafios dos passos a dar podem ser diferenciados.
Quem é a Ana, para lá da profissional?
Sou curiosa, gosto de aprender, não digo não a um bom desafio, dedico-me à família, à escrita e à cozinha.