A Tabaqueira está a passar por um profundo processo de mudança e Margarida Cardoso destaca a experiência única que é «construir no dia-a-dia um business case, daqueles que só se estuda anos mais tarde nos livros». Em paralelo, também «o mundo do trabalho está a mudar de forma dramática, e em muitos aspetos ainda estamos a tentar contrariar estas mudanças, ao invés de explorarmos todas as suas potencialidades».
Entrevista a Margarida Cardoso, diretora de People & Culture da Tabaqueira
Na sua adolescência, quais eram as suas áreas de interesse e o que se imaginava a fazer profissionalmente?
Na adolescência explorava vários interesses, procurando perceber de que forma podia amplificar a minha voz e o impacto que podia ter no meu (pequeno) mundo. Fazia teatro, jornalismo escolar e muito voluntariado. Embora tivesse poucas certezas acerca do meu futuro profissional, achava que provavelmente o mesmo passaria pelo sector social e solidário.
E em criança, recorda-se o que queria ser?
Em criança adorava a escola e todo o contexto envolvente, por isso lembro-me muito bem de querer ser professora.
Que curso universitário escolheu e porquê?
Estudei Psicologia. Foi uma escolha difícil para alguém que não tinha quaisquer certezas em relação ao futuro profissional. Foi um completo tiro no escuro porque nem sequer tinha tido uma disciplina de Psicologia no secundário mas achei que iria ter muito prazer no estudo do comportamento e dos processos mentais dos indivíduos e que, com base nisso, podia ir explorando alternativas profissionais.
Começou o seu percurso profissional em consultoria. Foi uma questão de oportunidade, era o seu objetivo…?
Quando decidi que gostava de explorar a perspetiva mais organizacional da psicologia, considerei que a consultoria podia ser um excelente ponto de partida por me permitir ter mais contacto com realidades diversas. Era importante para mim continuar em busca de mais oportunidades e abrir possibilidades.
O que recorda de como começou a trabalhar?
Recordo-me do desfasamento entre a realidade académica e o exercício de funções práticas. Mas também do fascínio do começo, de conhecer diferentes realidades (com os projetos e clientes), de procurar fazer a diferença. Acho que mantenho esta mesma perspetiva, do entusiasmo de começar uma nova função, um novo projeto ou um novo desafio de negócio.
Há quase 20 anos, era “outro mundo”? As prioridades, receios, maneira de encarar o trabalho e as empresas era muito diferente?
Há várias diferenças, desde logo geracionais, que têm impacto na vivência diária das organizações. Hoje as empresas são muito mais abertas, mais horizontais, menos formais e hierárquicas. E cada vez mais humanizadas. Por outro lado, os negócios e os processos organizacionais evoluem a uma velocidade cada vez maior e as novas gerações que coexistem no mercado de trabalho são também forças impulsionadoras da velocidade de mudança.
Quando integrou a Tabaqueira, foi sempre ligada à Gestão de Pessoas. O que mais a fascina nesta área?
Sim, todo o meu percurso foi ligado à gestão de pessoas, embora em diferentes vertentes. Fascina-me a importância e o poder de uma organização no contexto de uma empresa e como a forma como é feita a gestão de pessoas pode determinar o seu sucesso.
O que destacaria em cada fase do seu percurso profissional? Quais as principais aprendizagens?
Tenho a sorte de ter tido um percurso muito rico do ponto de vista de aprendizagens e experiências. Nunca pensei ficar tanto tempo numa empresa, mas a verdade é que a mobilidade interna na Tabaqueira é uma realidade muito presente e fui sempre encontrando internamente a variedade de estímulos, contexto e experiência que antes procurei em clientes e projetos distintos ou em mudanças de empresa.
Para além das mudanças efetivas de função, é uma empresa que oferece uma variedade tão grande de participação em projetos e com um contexto de negócio em mudança tal, que é difícil dizermos que estamos muito tempo a fazer “a mesma coisa”. Sem esquecer que as aprendizagens se fazem também através do trabalho com os outros - e adoro a possibilidade de trabalhar com pessoas diferentes, integrar equipas multidisciplinares e ver na prática o poder da diversidade das equipas.
Consegue identificar uma conquista que a tenha deixado particularmente orgulhosa ou com sentimento de missão cumprida?
Saliento o trabalho desenvolvido em conjunto nos últimos anos na Tabaqueira. Poder participar numa completa revolução da nossa visão, do nosso negócio e, claro, da nossa organização, tem sido um tremendo privilégio do ponto de vista profissional e pessoal. É difícil encontrar um paralelismo ou mais do que uma mão cheia de exemplos de transformação profunda de um negócio ou até de uma indústria.
Para um profissional que trabalhe as questões das organizações e das pessoas, isso significa poder ter um impacto transversal e viver uma experiência singular, construir no dia-a-dia um business case, daqueles que só se estuda anos mais tarde nos livros. Olhar para a organização hoje, depois de uma profunda mudança cultural e de propósito, a forma como integrámos e desenvolvemos um novo set de competências, a alteração do paradigma de liderança, a consolidação de novas estruturas de trabalho, a implementação de novas formas de trabalho e de relacionamento organizacional, entre muitos outros. E fazer isto com resultados de negócio positivos e com um compromisso elevado por parte das pessoas, é uma conquista coletiva extraordinária. E saliento o “coletiva” porque sou pouco crente em super heróis e heroínas.
Tenho muito orgulho em fazer parte e poder contribuir diariamente para um processo de transformação tão profundo.
E há alguma decisão ou situação que tenha sido particularmente difícil/ desafiante?
Acho que os momentos mais desafiantes prendem-se com a conciliação das diferentes dimensões da minha vida. A maternidade veio acrescentar uma camada adicional – e particularmente deliciosa – de complexidade. A procura constante desse equilíbrio continua a ser um desafio para mim e é muito positivo que falemos cada vez mais acerca disto.
Atualmente, quais são os seus principais desafios?
Continuo focada neste permanente processo de transformação, que é contínuo. Como desafio, destaco as novas formas de trabalhar e colaborar trazidas pela implementação de um modelo híbrido – remoto e presencial –, mas também pela necessidade de trabalhar cada vez mais com base em projetos e com claro foco nos nossos consumidores.
Um desafio atual é o investimento contínuo para uma organização cada vez mais inclusiva e garantir o bem-estar das nossas pessoas, com particular enfoque na saúde emocional que tem sido particularmente impactada nos últimos anos.
O principal desafio continua a ser a transformação das lideranças, sobre as quais recai uma exigência cada vez mais elevada, para podermos continuar a caminhar no sentido de termos uma organização cada vez mais preparada e capaz – equipas diversas, com múltiplas competências, com processos de trabalho produtivos, saudável e comprometida, para lidar com a crescente complexidade e evolução do negócio e do mundo de trabalho atual.
E dos gestores de Pessoas, em geral, quais acredita que serão os principais desafios nos próximos anos?
Embora esteja a viver num contexto particular, acredito que os grandes desafios sejam hoje transversais à maioria dos gestores de pessoas. Acrescentaria ainda a escassez de talento que nos afeta a todos, mas que outros sectores e empresas estão já a viver de forma mais exacerbada e que obriga a repensar alguns paradigmas.
Que tendências perspetiva para o mundo do trabalho?
O mundo do trabalho está a mudar de forma dramática e em muitos aspetos ainda estamos a tentar contrariar estas mudanças, ao invés de explorarmos todas as suas potencialidades.
Na minha perspetiva, as grandes tendências serão: (1) Os modelos de trabalho híbrido e outras formas de trabalho mais flexíveis; (2) assegurar uma força de trabalho diversa, mais líquida e mais focada em competências do que em funções bem desenhadas, onde diferentes formas de trabalho e modelos de empregabilidade coexistem e os modelos organizacionais são também mais horizontais e colaborativos; (3) promoção de lideranças mais efetivas, empáticas e humanizadas; (4) foco no engagement e no bem estar transversal das pessoas.
Quem é a Margarida, para lá da profissional?
A Margarida é hoje uma family addicted em geral e motheraholic em particular. Mas, no fundo, continua a manter o mesmo olhar adolescente de quem acha que pode contribuir para mudar o mundo. Mesmo que com um pequeno(íssimo) passo de cada vez.