Jacques van den Broek, CEO global da Randstad, esteve em Portugal e, num pequeno-almoço executivo que se realizou no Hotel Júpiter, em Lisboa, e que contou com a representação de empresas de relevo, falou sobre o futuro do trabalho e o impacto da tecnologia. 

 

Com a tecnologia a evoluir a um ritmo nunca antes visto, a automação e a globalização a ganharem terreno, seremos nós capazes de assumir o controlo do nosso futuro? De um modo geral, estes factores estão a exercer uma influência determinante e a reformular as nossas vidas profissionais. Se, por um lado, é tido como certo que algumas funções vão ser substituídas por máquinas, outras serão potenciadas. E ninguém – nem mesmo os mais qualificados – vão escapar a esta transição para o digital. 

Como podemos preparar caminho? Que preocupações é que as organizações devem ter na agenda para endereçar esta questão de forma consciente e atempada? À frente do Grupo Randstad, Jacques van den Broek partilhou a sua visão do que é o mundo do trabalho hoje e o que vai acontecer no futuro, defendendo que pessoas e tecnologia podem, e devem, coexistir.

O responsável começou por fazer notar a inevitabilidade de, num mundo cada vez mais VUCA  (volátil, incerto, complexo e ambíguo), mudar para o digital, e a consequente necessidade de aquisição de novas competências, referindo que «é preciso investir e reconverter as pessoas para as novas tecnologias, enquanto se está bem».  Por um lado, continuou, «nunca fomos tão ricos como hoje, nem os empregos tão atractivos» e, por outro, confirmou que, no futuro, os robôs não irão substituir completamente as pessoas. Ao invés disso, os profissionais terão de adquirir competências digitais adequadas para poderem trabalhar com máquinas inteligentes. «Mais do que nunca, as pessoas vão ser responsáveis pelo seu próprio futuro. E, nesse futuro, precisamos de mudanças. Por exemplo, os advogados poderão passar a assumir mais tarefas relacionadas com análise e os médicos passarão mais tempo com os pacientes, uma vez que os robôs podem operar.»

 

As pessoas sempre no centro

Apesar de reconhecer que «iremos continuar a precisar de pessoas, ainda que não se saiba para que funções», Jacques van den Broek não esconde que, em média, um em cada sete humanos pode a vir a ser substituído por máquinas. Não obstante, também se prevê que novas tecnologias, como o Big Data e a Inteligência Artificial ou a Realidade Aumentada e Virtual, venham a dar um impulso anual de cerca de 0,5% ao total de emprego.

Fazendo notar que o digital traz consigo novos tipo de trabalho, avançou três categorias de emprego possíveis no futuro: «frontier work», que diz respeito a funções no campo tecnológico; «wealth work», funções de suporte a outras pessoas e que requerem um nível relativamente baixo de competências; e, por fim, o «last-mile work», ou seja, aqueles que produzem bens ou serviços, mas que ainda não podem ser automatizados.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico vai ainda mais longe nas suas previsões. De acordo com dados da entidade, citados pelo responsável, 65% das crianças vão ter empregos que hoje não existem, tais como controlador de drones, pelo que também o sistema de educação tem de estar preparado para estes empregos do século XXI.

Jacques van den Broek reiterou a necessidade de estar «à frente dos acontecimentos», pois os princípios básicos do trabalho mudaram, e esta transformação toca a todas as empresas, independentemente do sector em que actuem. «Se estivermos preparados, o digital será uma grande oportunidade para todos», acredita.

 

O que aí vem de novo

O CEO da Randstad falou também de algumas das mudanças que já estão a acontecer ao nível do trabalho, destacando que as pessoas vão deixar de ter um emprego para a vida para passarem a ter vários ao longo da carreira. Além disso, vão entrar em cena formas de trabalho flexível que irão começar a ser a regra em cada vez mais carreiras.

O responsável é peremptório. «As empresas não conseguem crescer por falta de pessoas. E uma nova realidade está a surgir. Um terço dos profissionais não vão trabalhar exclusivamente para uma empresa, mas sim para várias, e a partir de casa». Realçou, no entanto, que as regras portuguesas não foram concebidas para estes tipos de trabalhos e que têm de ser rapidamente revistas e actualizadas, para que a tecnologia conduza ao crescimento do emprego e não à precariedade e à insegurança acerca do futuro.

Consciente dessa realidade, Jacques van den Broek chamou também a atenção para a necessidade de reinvenção dos vínculos contratuais, fazendo notar os desafios que isso traz ao nível da Segurança Social, uma vez que impõe um trabalho fixo, por exemplo. E lembrou que os trabalhadores por conta própria não entram para estas contas. «Estão desprotegidos», disse. E deixou o recado: «É preciso encontrar outro sistema. A sociedade está a envelhecer e não temos dinheiro para investir em cuidados de saúde. Se trabalhamos devíamos ter acesso a saúde e conseguir fazer um empréstimo. É importante garantir igual e pleno acesso aos mercados de trabalho, garantindo, ao mesmo tempo, condições de trabalho dignas, independentemente do vínculo estabelecido.»

Ainda em relação ao mercado portugês, realçou que Portugal está a perder por não ter um sistema de imigração, fazendo notar que há recursos humanos altamente especializados lá fora. Actualmente, o Canadá e a Austrália são os únicos países com esse sistema, sendo que a imigração qualificada tem aumentado significativamente na última década. «Entre os imigrantes que escolhem a Europa para viver e trabalhar, predominam os mais qualificados: metade dos profissionais tem high skills.» Não fosse esse número já revelador, fechou o tema, salientando que apenas 30% da força de trabalho europeia actual é altamente qualificado.

Neste contexto, Jacques van den Broek destacou a importância de fazer planos de Gestão de Pessoas, de três a cinco anos, para identificar o talento de que as empresas vão precisar no futuro. E saberem como atraí-lo. «As organização terão de ser capazes de identificar o que têm de diferente para oferecer e saber comunicá-lo, uma vez que já não são as empresas que decidem quem trabalha para elas. Os candidatos também têm uma palavra a dizer», sublinhou.

 

O papel do Employer Branding

Outra realidade que está a mudar tem a ver com as hierarquias: «O digital mata a hierarquia», afirmou o CEO, fazendo notar que, por isso, os Recursos Humanos têm de mudar. «É importante aliar a Gestão de Pessoas ao Marketing, ser rápido nos processos, ter todos juntos a trabalhar o Employer Branding da empresa, e saber as mensagens que querem passar, pois é cada vez mais difícil atrair e reter trabalhadores. É preciso cuidar da força de trabalho e os Recursos Humanos precisam saber 'vender-se'. É cada vez mais necessário construir relações de parceria duradouras e que funcionem para ambas as partes, sem comprometer o futuro. É preciso ter uma página nas redes sociais e trazer um manager para junto das pessoas.»

Mas não se trata apenas de «encontrar as pessoas certas para os lugares certo. Trata-se de conseguir fazer passar a mensagem correcta. No fundo, resumiu, «propósito é a palavra de ordem. Os jovens querem mudar o mundo e se acreditarem que conseguem esforçam-se bastante».

Jacques van den Broek acrescentou que a maioria das pessoas percebe que a tecnologia vai alterar o seu trabalho a curto prazo e que estas mudanças são uma preocupação, porque muitos receiam não ter as competências necessárias para os novos empregos. «As pessoas estão muito inseguras com o futuro, porque sentem que o empregador não vai tomar conta delas para a vida e não fazem ideia do que vai acontecer.» Só que, na realidade, «essa não é uma responsabilidade da chefia».

Por outro lado, continuou, as empresas e decisores políticos têm a responsabilidade de repensar a forma como o trabalho está organizado e passar das palavras aos actos, ajudando os trabalhadores a encontrar um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. «A sociedade média está sob pressão, mas os profissionais de 'primeira linha', aqueles que criam novas soluções, podem estar descansadas. É uma óptima época. Estão todos à procura deles. Mas há que ter em conta «é que o mercado não necessita apenas de high skills. Há também que ter consciência que, por vezes, é preciso despedir pessoas.»

Reafirmando que os medos são infundados, o responsável reiterou que «os empregos não vão desaparecer, mas sim mudar». Além disso, não tem dúvidas de que o factor humano continuará a estar no topo das prioridades e acredita mesmo que a tecnologia pode ser usada para potenciá-lo.