Perante as disrupções por que a banca tem passado, Pedro Mira Vaz destaca o valor implícito dos dados para controlar da experiência do cliente, experiências de relação com as marcas assentes em valor gerado e em verdade. Para isso, é fundamental ter colaboradores preparados e motivados.

 

Entrevista a Pedro Mira Vaz, VP Strategic Marketing do Novo Banco

 

O sector da Banca tem sido dos que maior disrupção tem vivido nos últimos anos. Quais as mudanças que destacaria?

A disrupção dos últimos anos está centrada em alguns aspetos essenciais. Por um lado, a tomada de consciência do valor implícito dos dados dos clientes que a banca conhece. A função financeira é muito central na forma como as pessoas vivem, e representa em grande parte as suas características a um nível mais detalhado.

Isso permitiu aos bancos tornarem-se progressivamente mais sofisticados, naturalmente em diversos patamares de evolução, mas sempre de forma crescente. Segundo um relatório da Gartner, já mais de um terço de todo o investimento de marketing vai para martech – ferramentas e serviços de tecnologia em marketing, inevitavelmente em torno de dados.

Este valor, tornando-se óbvio e relevante, foi o objeto de inúmeras novas iniciativas (startups) na área financeira – denominadas por fintech –, que procuraram ocupar o espaço de relação direta com os clientes, com muito mais agilidade e liberdade operacional e, assim, conquistar a informação transacional que permite conhecer os clientes, explorando, na sequência, modelos de negócio que permitam a sua rentabilização – programas de fidelidade, plataformas de promoção de produtos, geração de leads, etc.

Este movimento tem sido felizmente acompanhado de regulamentação muito clara na área de protecção de dados. A pertinência da sua aplicação pode ser discutível nalguns casos, mas globalmente é uma garantia para os consumidores, e constitui um importante equilíbrio de poder.

Houve por outro lado também a criação de muitas empresas vocacionadas para fornecer serviços ao sector financeiro, trazendo capacidades tecnológicas dificilmente presentes na banca, e nomeadamente nas áreas de análise avançada de dados, que trouxe inovações importantes ao valor e à eficiência da atividade bancária, permitindo compensar parcialmente a pressão de rentabilidade trazida pelo contexto único de taxas de juro continuadamente negativas.

 

É sobretudo o digital que está a moldar o que fazem? Ou melhor, como fazem?

A adopção do digital em todos os aspetos da vida dos consumidores acelerou a utilização dos mecanismos digitais na banca. Se o contributo para a eficiência operacional é obviamente muito positivo, é também muito importante o aumento da frequência de contacto entre clientes e banco, potenciando a exposição da oferta do banco a baixo custo.

No entanto, o papel central que só um banco universal pode assumir no apoio às alterações de ciclo de vida pode ser posto em causa. Continuamos a acreditar que há momentos em que o banco deve ser o primeiro conselheiro para ajudar os clientes a viver com liberdade financeira, dentro do seu quadro específico de disponibilidades. Por isso estamos neste momento a reformular toda a nossa rede de balcões para lhe dar este carácter conversacional e aberto à comunidade local.

 

Nomeadamente na sua área de responsabilidade - Marketing Estratégico -, que evoluções salienta?

Uma das mudanças mais importante prende-se com a necessidade de encarar o cliente como um bem escasso e delicado, que procura, com muito maior liberdade, a oferta de serviços financeiros disponível no mercado. Isso obriga a passar de uma visão de maximização do ARPU (Average Revenue Per User – receita média por usuário) para uma visão de longo prazo, assente na qualidade da relação.

Isso obriga a tomarmos controlo da experiência do cliente: perceber melhor o que o cliente pretende, e que experiência lhe devemos proporcionar em cada momento e em cada canal, de forma contínua e coerente entre canais.

Para o efeito, temos de sair de um modelo tradicional na banca de alocação de clientes a canais, para um modelo que mede e recompensa a contribuição de cada canal na experiência global do cliente.

 

A este contexto já de mudança, veio juntar-se a pandemia. Como veio afectar a estratégia que tinham em curso?

A importância que damos à articulação entre o digital e o físico não se alterou, mas a realidade impediu-nos de lançar algumas iniciativas de ligação.

Permitiu, sim, acelerar as formas de relação remota. Temos hoje uma equipa de gestores remotos para clientes afluentes com um elevadíssimo grau de satisfação pelos clientes com este perfil.

Por outro lado, investimos de forma muito relevante em novas tecnologias de automação de marketing, que têm em vista este mundo relacional físico e digital.

 

Quais eram, até Março de 2020, os vossos principais desafios? E como é que evoluíram entretanto?

A pandemia trouxe desafios na relação com os clientes, com os consequentes desafios internos à organização do trabalho. Na primeira fase, houve um foco muito grande em garantir que os serviços bancários eram prestados com qualidade – reforço da capacidade de trabalho remoto, tanto nas agências como no serviço telefónico de apoio a clientes – NBdireto.

A banca tem o desafio adicional de continuar a apoiar as empresas com bons modelos económicos, que passam por naturalíssimas dificuldades financeiras, bem como particulares afectados por esta fase. Isso implica um entendimento dos riscos de forma individual, e por isso estamos por um lado a observar todos os sinais de potencial stress, e a falar com todos os clientes que pediram moratórias de crédito, uma um, para procurar soluções caso seja necessário.

 

Em termos das vossas pessoas, como tem evoluído aquilo que lhes é pedido e como tem sido a adaptação?

Penso que este é um tema transversal a todos os setores de serviços: o trabalho remoto é o desafio mais evidente, e que tem sido suplantado por coreografias diárias de acompanhamento e momentos planeados de partilha, procurando evitar que o isolamento afecte a motivação e a saúde dos colaboradores.

Isso exige mais antecipação e planeamento, melhor divisão de tarefas e pontos de contacto muito eficientes. É na organização do trabalho que se sentem mais necessidades, e estamos aqui a apostar na formação das chefias.

 

Na Banca, como em vários outros sectores, as empresas estão a reorganizar estruturas. Muitas vezes têm que despedir pessoas com funções que acabaram por se tornar redundantes, mas necessitando recrutar outros perfis. Que perfis são esses? E têm tido dificuldade atrai-los?

A banca tem conseguido trazer recursos de muito boa qualidade nas áreas de marketing e análise de dados, porque assistimos à entrada no mercado de trabalho de uma geração muito preocupada em criar impacto com o seu trabalho. A banca, pelo seu lugar essencial na vida financeira das pessoas, é um vector de acção deste desejo de influenciar o mundo para melhor.

Tem sido uma alegria, como gestor, assistir ao entusiasmo transformador das novas gerações.

 

Em concreto para os perfis mais ligados à tecnologia, estão a adoptar novos modelos de trabalho ou contratação? Por exemplo, contratar alguém que vive em outro país é algo que ponderem?

Estamos a recrutar maioritariamente em Portugal, mas temos colaboradores que estão a mudar de país, tipicamente acompanhando os seus cônjuges ou equivalentes, e estamos precisamente a fechar contratos com alguns deles, mantendo-os em home office em permanência.

São no entanto casos isolados. Continuamos a acreditar que existe um potencial dos trabalhadores portugueses acima da média, e que Portugal tem condições para atrair estrangeiros que queiram aqui trabalhar, sem necessidade de os manter no estrangeiro.

 

E costumam recorrer ao Outsourcing? Para que funções?

O outsourcing tem sido usado quando se conjugam dois fatores importantes: por um lado, o processo é bem conhecido e está bem controlado, conhecendo-se bem as métricas e detalhes operacionais do negócio, e, por outro, existe um fornecedor externo que pela sua especialização ou conhecimento pode acrescentar valor. Isto acontece em várias área operacionais de backoffice e numa componente direta de relação com o cliente no nosso serviço de apoio telefónico a clientes.

 

Que tendências perspectiva, nomeadamente no que respeita à relação com o cliente?

Os clientes terão que ter experiências de relação com as marcas assentes em valor gerado e em verdade. Num mundo de grande partilha de informação, o ambiente de enviesamento de conhecimento que existia entre as grandes empresas e os consumidores desvaneceu-se.

Hoje, os bancos devem ajudar o cliente a programar a sua vida, dando-lhes grande autonomia na decisão. Isso é uma tarefa de grande responsabilidade e, mais do que nunca, assente em confiança no conhecimento, e na proteção do interesse dos consumidores.

É isso que temos vindo a fazer, e que prosseguimos todos os dias.

 

entrevista a:
this is a man
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Pedro Mira Vaz

vp strategic marketing do novo banco