No EIT Health, procuram-se ideias que tenham conexão aos problemas de pessoas reais e às necessidades das empresas que operam na área da Saúde. Portugal integra o conjunto de países “moderadamente inovadores”, mas já esteve nos “inovadores fortes”. Para manter este lugar, não só as empresas precisam de continuar a inovar e a crescer, como o país precisa de atrair investimento público e privado.
Entrevista a Vera Moura, Regional Manager da EIT Health InnoStars para Portugal
O EIT Health integra o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT), um órgão da União Europeia, e é uma das maiores iniciativas de saúde na Europa com financiamento público. O cluster InnoStars é uma das sete áreas geográficas do EIT Health. Abrange metade da Europa, incluindo a Polónia, Hungria, Itália e Portugal, além de outras regiões que compõem o Esquema Regional de Inovação do EIT: Estados Bálticos, Croácia, Eslováquia, República Checa, Eslovênia, Grécia e Roménia. Este é um grupo de países classificados pelo European Innovation Scoreboard (EIS) como inovadores moderados.
«O InnoStars está focado em promover o empreendedorismo, a inovação e a educação no domínio da saúde, vida saudável e envelhecimento activo, diminuindo a lacuna entre as regiões líderes em inovação e as regiões que estão em crescimento», explica Vera Moura, Regional Manager da EIT Health InnoStars para Portugal. Em entrevista, fala-nos sobre os objectivos que pretendem alcançar, os projectos que têm promovido e também sobre como se posiciona Portugal nesta área.
Quando foi criado e como é que está o EIT Health InnoStars a ser desenvolvido em Portugal?
O EIT Health InnoStars foi criado em 2015 com o intuito de construir um ecossistema que permita o desenvolvimento de cuidados de saúde para o futuro para todos os cidadãos europeus. Em Portugal, o EIT Health tem seis parceiros: Instituto Pedro Nunes, Universidade de Coimbra, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra - EPE, GLINTT, Universidade de Lisboa e o Centro Hospitalar de Lisboa Norte. Conta ainda com um programa implementado em Hubs da Universidadade do Porto e da Universidade de Évora.
Que objectivos pretendem alcançar a curto/ médio prazo?
O objectivo último do EIT Health é possibilitar aos cidadãos europeus vidas mais longas e saudáveis, com o recurso à inovação. O EIT Health tem promovido a integração de projectos com recurso à Inteligência Artificial (IA) nos cuidados de saúde e de programas de Valor Acrescentado em Saúde (High Value Care Based Projects), na prática corrente das entidades prestadoras de cuidados de saúde a nível europeu. O modo como este percurso é feito passa por, em primeira instância, actualizar as habilitações dos profissionais de saúde em toda a Europa, investir nos melhores talentos e facilitar a comercialização de produtos/soluções de saúde inovadores na UE.
Os 150 parceiros do EIT Health constituem uma rede europeia exclusiva das principais empresas, universidades, centros de investigação e desenvolvimento, além de hospitais e institutos, e estão alinhados no objectivo comum de construir um ecossistema que permita o desenvolvimento de cuidados de saúde para o futuro. Nestes seis anos, o EIT Health já lançou mais de 87 produtos/serviços, apoiou 754 startups e treinou 36 mil profissionais.
Que projectos e startups nacionais tem ajudado a criar?
Em Portugal, a iLoF, a Abtrace e a Libra são excelentes exemplos de startups que estão a desenvolver os seus projectos na área da Inteligência Artificial (IA).
A iLof, vencedora do programa EIT Health Jumpstarter 2019 e Wild Card 2019, está a criar uma base de dados em cloud de impressões digitais ópticas, alimentada por fotónica e IA, que fornece um rastreio não invasivo, triagem e estratificação para descoberta de medicamentos, com total adaptação às necessidades de cada ensaio clínico.
A Abtrace usa a IA para fornecer aos médicos as informações necessárias à escolha do antibiótico e da dosagem correcta para cada paciente, o que promete melhorar o tratamento, diminuir os custos e reduzir o consumo de antibióticos errados.
A Libra é uma plataforma digital que pretende promover e manter comportamentos saudáveis de pacientes em risco de obesidade. Esta solução oferece um contacto digital personalizado com coaching, a recolha de dados dos pacientes e a comunicação remota com profissionais de saúde.
Mas temos ainda outras empresas que nos últimos 2/3 anos têm vindo a conquistar o mercado Europeu em programas do EIT Health nas áreas de Aceleração e da Educação:
A Neuropsycad, uma startup que desenvolveu uma tecnologia na Universidade de Lisboa para a identificação precoce de sinais de neurodegeneração em Alzheimer e Parkinson (Headstart Awards 2018).
A Hydrustent, que desenvolveu uma endoprótese biodegradável para a uretra que promete revolucionar o tratamento de doenças renais (3º lugar no European Health Catapult 2018, 3.º lugar no InnoStars Awards 2019).
A BestHealth4You, que desenvolveu um adesivo biomédico, Bio2Skin, flexível e transparente que reduz as dermatites e pode ser aplicado em dispositivos médicos (vencedora do EIT Health Start-up Meets Pharma 2019, galardoada no EIT Health Headstart Programme, vencedora do Living Labs & Test Beds voucher).
O SwitHome, um programa de reabilitação remota para pacientes de enfarte do miocárdio que permite a monitorização e o acompanhamento dos doentes sem o envolvimento a tempo inteiro do terapeuta. O programa nasceu na Universidade de Coimbra e foi desenvolvido pelo IPN.
A Delox, uma start-up incubada na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Finalista do Headstart 2019), que desenvolveu e patenteou um protótipo para uma câmara de descontaminação de equipamentos de protecção individual (máscaras, batas e outros EPIs – equipamentos de protecção individual), permitindo a sua reutilização em Hospitais.
A Wisify, outra startup finalista do Headstart 2019, da Universidade do Porto, que, em colaboração com uma equipa do Open Science Platform de Figueira de Castelo Rodrigo, adaptou modelos de impressão de viseiras do Maker Movement – Portugal para reduzir o tempo de impressão de cada unidade de 1h40 para 32 minutos.
Como é depois feito o acompanhamento desses projetos?
Se as startups receberem os incentivos correctos, são poucos os limites à criação de soluções eficazes. No EIT Health, procuramos ideias que tenham conexão aos problemas de pessoas reais e às necessidades das empresas que operam na área da Saúde. Depois, fornecemos acesso a uma rede internacional de mentores, parceiros e fundos, que transformem essas ideias em produtos/serviços de que a Comunidade Europeia (CE) possa usufruir.
Diria que Portugal é reconhecido internacionalmente como país inovador e dinâmico nesta área?
Estamos no bom caminho, com o posicionamento das nossas startups nos lugares de topo das competições do EIT Health e como referência no European Innovation Scoreboard. Mas ainda estamos a dar os primeiros passos, se compararmos com outros países da União Europeia (UE).
Como se posiciona Portugal no EIT Health?
Portugal integra o conjunto de países “moderadamente inovadores”, que compõem o cluster InnoStars no EIT Health. Tem seis parceiros activos em Coimbra e Lisboa e dois hubs regionais no Porto e Évora, mas está a crescer.
Estamos no grupo de "inovadores moderados"… O que acha que nos falta para passarmos a outro patamar?
Este ano, o EIS colocou Portugal no grupo dos Inovadores Fortes, ao lado da Alemanha, da Noruega e da França. Para manter este lugar, não só as nossas empresas precisam de continuar a inovar e a crescer, como o país precisa de atrair investimento público e privado e fornecer serviços de base verdadeiramente eficazes e atractivos. É necessário fomentar parcerias com empresas que permitam internacionalizar os nossos produtos, atrair grandes empresas para o País, criar laços entre investidores nacionais e internacionais e agilizar os processos de proteção da propriedade intelectual.
A área da Saúde é atractiva para os portugueses? Sabemos que há escassez de talento na área da tecnologia. Com esta especialização/ foco provavelmente mais ainda...
Sem dúvida que o talento existe e o interesse na inovação em Saúde está a crescer no nosso país. Quando comecei a minha startup há 10 anos, na área da terapia personalizada para o cancro, conhecia pessoalmente as outras startups das Ciências da Vida. Hoje, já é difícil de mapear todos os grupos e startups que operam nesta área e houve um crescimento em número e qualidade da área da Medtech e Biotech.
No entanto, continua a ser necessário que os quadros altamente especializados que formamos em Portugal permaneçam no nosso país e contribuam para o crescimento do nosso ecossistema. A taxa de empregabilidade de doutorados em Portugal ainda é de apenas 5% comparada com a média europeia de 30%.
E a Europa, como se posiciona em termos de inovação na área da Saúde, em relação a potencias como, por exemplo, os EUA?
Os EUA continuam a liderar o desenvolvimento e o investimento na área da Saúde. No entanto, assistimos também ao crescimento de outros mercados, como o Canadá, com uma aposta forte em parcerias público-privadas na Investigação e Desenvolvimento (I&D); e como a China e a Índia, que têm demonstrado um crescimento na produção de medicamentos e um investimento governamental na criação de condições para a atracção de empresas multinacionais.
Dificilmente a Europa conseguirá acompanhar estas potências mundiais, mas pode certamente fortalecer os aspectos positivos e distintos que possui, nomeadamente o potencial em Inovação.
A criação de soluções concretas baseadas em Inteligência Artificial e em projectos de valor acrescentado na área da Saúde poderão fomentar a economia com uma aposta forte na qualidade dos produtos e serviços criados que justificam o investimento em mão de obra qualificada. Desta forma, uma das fraquezas do continente Europeu – o custo elevado da mão de obra – torna-se uma fortaleza para as empresas crescerem em inovação.
Qual diria que é o maior desafio nesta área da inovação em Saúde?
O maior desafio é sem dúvida a mudança da política de investimento em Saúde e a definição de saúde em si. Enquanto o foco se mantiver na doença e nos processos de cura, há pouco espaço para inovar na prevenção/profilaxia e na promoção de um estilo de vida saudável e no envelhecimento activo. Mais ainda, é urgente promover cuidados de saúde efectivos, que trarão retorno financeiro a médio e longo prazo, ao invés de privilegiar resultados imediatos com soluções que exigem intervenções subsequentes com prejuízo para o indivíduo e para a economia.
Como podem o EIT Health e as startups que financia ajudar a ultrapassar esses desafios?
O EIT Health tem o seu foco, como referi, num envelhecimento activo e saudável e na promoção de cuidados de saúde para a população da EU, que passa pelo investimento em inovação, em educação e na criação de novos negócios sustentáveis e de valor acrescentado. Ao promover soluções com base em IA para auxílio no diagnóstico e tratamento de doenças, estamos a mitigar resultados negativos, a diminuir os custos associados às falhas do sistema de saúde e a promover a eficácia dos mesmos.
Ao promover projectos de valor acrescentado, estamos a equipar as entidades prestadoras de cuidados de saúde com os melhores recursos em inovação para o tratamento e acompanhamento dos doentes. Ao educar a população (cidadãos, profissionais de saúde, empreendedores, estudantes), ao financiar ideias que solucionam casos reais e ao promover a expansão e aplicação destas soluções em diferentes países, estamos a mudar mentalidades e a formar os melhores recursos de que a Europa dispõe: as nossas pessoas.
De acordo com um estudo desenvolvido pelo EIT Health e pela Mckinsey, até 2030 prevê-se que a economia global possa criar até 40 milhões de novos empregos no sector da saúde. No entanto, a OMS alerta que, na próxima década, poderão existir menos 9,9 milhões de médicos e enfermeiros. O que acha que explica esta dicotomia?
A previsão da OMS aponta para um défice de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, parteiras) sobretudo nos países de rendimento baixo e médio-baixo, enquanto que a empregabilidade na área da Saúde subirá nos países de rendimento médio e alto. O crescimento em profissionais de saúde é expectável e desejável, dado o envelhecimento da população e o aparecimento de novas doenças na nossa sociedade. No entanto, a maior preocupação da OMS está na heterogeneidade da distribuição destes profissionais, no ratio entre médicos e enfermeiros entre países, na distribuição dos especialistas e no envelhecimento da classe. São preocupações legítimas, que exigem a tomada de medidas urgentes para evitar a falência da prestação de cuidados de saúde.
Para trabalhar em inovação em saúde, terá que se ter formação quer em saúde, quer em tecnologia. Mas disciplinas como IA raramente são ensinadas em ciências clínicas tradicionais. Porquê?
A IA é uma área em desenvolvimento que ainda requer reflexão e definição. O EIT Health tem promovido discussões em torno das implicações éticas da aplicação da IA em inovação e do impacto da IA em organizações e grupos de trabalho na área da Saúde. Mas ainda há um longo caminho a percorrer, pelo que a inclusão da IA como disciplina no ensino tradicional será uma realidade, mas para um tempo próximo.
Continua a existir muita desconfiança em relação às "máquinas", nomeadamente na área da Saúde? Sobretudo em que áreas/ funções da saúde a IA poderia ser útil? Que resultados práticos acredita que traria?
Existem projectos em curso de IA na prática clínica que podemos analisar. O EIT Health financiou um projecto para diagnóstico de cancro da próstata com recurso à IA (Stockolm3) com 23 uropatologistas e apoia outros projectos, inclusive de origem portuguesa, e o intuito é simples: promover a eficácia do diagnóstico/tratamento, otimizar os recursos materiais e humanos e aumentar a disponibilidade do médico na relação com o paciente.
Quando acha que o mercado de trabalho na área da Saúde vai estar preparado para adotar a IA?
O mercado está já a adoptar projectos inovadores de IA que auxiliam as práticas correntes e aumentam, quer a produtividade, quer a eficácia dos sistemas de saúde. A aceitação tem sido gradual e positiva. Existem, no entanto, questões ligadas a aspectos éticos e de acessibilidade dos dados pessoais que têm de ser abordadas em instâncias superiores e que condicionam a aceitação da IA. Mas, julgo que a solução passa por analisar cada caso/projeto individualmente e adaptar a sua introdução nas práticas correntes de forma personalizada e com o envolvimento e formação de todos.
Que tendências perspectiva para esta área, nomeadamente no que respeita ao mercado de trabalho?
Julgo que a tendência será a de aliar a IA à necessidade de automatizar certas práticas clínicas para otimizar os cuidados prestados por médicos e enfermeiros à população carenciada. A OMS prevê a escassez de profissionais de saúde na próxima década e a IA poderá disponibilizar o acesso a informação para diagnósticos mais precisos, a monitorização e acompanhamento de doentes à distância, o recurso a técnicas auxiliares de verificação de diagnóstico e terapêutica, de integração de dados do doente de diferentes entidades, etc.
Claro que a integração destes recursos irá alterar os métodos de trabalho existentes nas entidades prestadoras de cuidados de saúde, e implicará uma mudança na cultura de trabalho dos hospitais e centros de saúde. Mas irá também unir as equipas num esforço conjunto de implementação e trará certamente maior disponibilidade para as tarefas que realmente importam.