Jacques Van Den Broek está à frente da segunda maior empresa de recrutamento do mundo. Sob a sua liderança, a Randstad reposicionou-se para abraçar a componente tecnológica, uma realidade para as empresas que querem adaptar-se e crescer num mundo cada vez mais digital. Adotou a estratégia "Tech & Touch", o paradigma de combinar as pessoas e as tecnologias podem e devem coexistir na área de Recursos Humanos e não só.
Este foi o mote para uma conversa com o CEO da empresa holandesa de recrutamento, presente em Portugal.
Em Outubro, a Randstad avançou com um novo posicionamento da marca, centrado na estratégia "Tech & Touch" da empresa, chamado "Human Forward". Por que é que sentiram esta necessidade agora?
"Mudámos a nossa estratégia. Há três anos, a empresa estava em boa forma, mas começámos a pensar no que se estava a passar com a tecnologia e nas ameaças e oportunidades-que traria para a nossa empresa. Por isso fizemos duas coisas.
Primeiro, criámos um fundo de inovação, inovação externa, e analisámos cerca de 2,5 mil startups de Recursos Humanos com duas metas. Uma era perceber quais os modelos que poderiam ser uma ameaça para nós, por exemplo, como os modelos de crowdsourcing, em que se pode colocar um trabalho online e um freelancer fá-lo, e a outra razão era perceber quais eram os modelos de negócio potencialmente interessantes que podiam ser adicionados ao nosso. Analisámos essas startups, investimos, em 13 - e isto quer dizer investir em participações de 10 ou 15% e um lugar no conselho de administração - e iniciámos um trabalho conjunto. Por outro lado, dissemos aos nossos co- líderes, como o José Miguel Leonardo [CEO da Randstad Portugal], "por que é que não começam também a inovar, a tentar que as coisas funcionem com startups locais, universidades, ver o que acontece?". Correu muito bem, porque temos cerca de 400 iniciativas a decorrer globalmente.
O que aprendemos foi que a tecnologia de RH não escalou - não apenas nas empresas que comprámos - e que as 2,5 mil startups de RH têm problemas em tornarem-se grandes. Isto porque, em Recursos Humanos, nos empregos, ainda existe um momento humano algures. Podem ter um fantástico motor de pesquisa com algoritmos, mas as pessoas têm de usá-lo, por isso é preciso ir e telefonar aos clientes. Mas se for uma jovem startup, com uma marca desconhecida, com uma nova tecnologia, é problemático. Isso foi algo que aprendemos.
Mas também aprendemos que a tecnologia pode, de facto, ajudar-nos a fazer melhor o nosso trabalho. "
Por isso chamaram à estratégia "Tech & Touch"...
"O que estamos a fazer é a redefinir o que as nossas pessoas fazem e a apoiar esse trabalho com tecnologia. O que estamos a tentar fazer é utilizar a tecnologia de tal forma que Os nossos consultores apenas contactem empresas que estão a contratar, porque podemos ver isso, o mundo é muito transparente. Apenas trabalham em empregos que conseguem preencher e apenas trabalham com candidatos que podem e querem ser colocados. Esse é o maior desafio lá fora, porque cada vez mais as pessoas não vão procurar empregos, os empregos precisam de procurar as pessoas. É por isso que estamos a criar um "lago" de big data.
Temos cerca de 50 milhões de perfis de pessoas que nos contactaram, com as quais trabalhámos, mas também comprámos a Monster. A Monster tem 300 milhões de perfis. Agora estamos a tentar criar esta empresa com 350 milhões de perfis, um pouco menos que o LinkedIn, junto com 36 mil consultores que fazem a ligação final entre o candidato e o cliente. Portanto, temos duas ambições: criar uma empresa que permita aos nossos clientes e candidatos trabalhar em conjunto e rodear os nossos consultores com a melhor tecnologia disponível, porque também para nós é difícil encontrar consultores e mantê-los. Mas se tivermos este ambiente superior juntam-se a nós rapidamente, terão um melhor ambiente de trabalho, serão mais produtivos. E depois, se há uma nova estratégia, é preciso ter uma nova promessa de marca, a combinação certa entre a tecnologia e a humanidade, que é realmente a promessa do consultor "We bring humans forward", os nossos clientes, os nossos candidatos, nós."
Foi fácil mudar esse "chip" dentro da organização, ou seja, implementar essa nova estratégia?
"A boa notícia é que as nossas pessoas são relativamente novas. Talvez há uns anos as pessoas tivessem melhor tecnologia em casa do que tinham connosco, por isso esperam algo, sendo já consumidores digitais nativos.
Vemos isso com os nossos jovens consultores, que acompanham isto muito rapidamente. Isso é bom.
Sim, temos necessidade de formação ao nível dos gestores. Temos de liderar isto, por isso passamos muito tempo a educar-nos para ajudar as nossas pessoas, treiná-las, mas em grande medida vêm rapidamente que torna as suas vidas mais fáceis. Porque quando falamos de digitalização, por exemplo, nos bancos, é quase sempre porque as pessoas estão a ser dispensadas. Isso acontece porque num banco muitas pessoas desempenham um serviço que é inerentemente administrativo. As nossas pessoas não desempenham serviços que são administrativos, desempenham serviços que são core. No passado, um consultor ligava para 20 empresas, e talvez três ou quatro diziam "ainda bem que nos ligou porque de facto estamos a contratar". Agora das 20 em 20 dizemos "já vi que estão a contratar". Torna o trabalho mais divertido."
No terceiro trimestre, apresentaram resultados alavancados principalmente pela Europa, mas os Estados Unidos da América estão "flat". Isso é um problema?
"O que é interessante é que se me tivesse perguntado há cinco anos "se houver um trimestre em que os. EUA crescem 1% e a Holanda 2%, qual será o crescimento total da empresa?", diria 1, 2, 3%. Foi mais de 9% no segundo e no terceiro trimestres. Isso significa que nos tornámos mais globais e menos dependentes de determinadas regiões e é principalmente o Sul da Europa que o está a conduzir. Espanha a dois dígitos, Itália a dois, Portugal um dígito, França dois dígitos.
Há uma coisa interessante sobre os EUA. A economia está a ter um bom desempenho, há um crescimento do PIB de 2%, mas a economia é muito alavancada pelo consumo que não está a ocorrer. Se ouvir Donald Trump pode pensar que o desemprego é o problema dos EUA. Mas não é. É o trabalho pobre. Há muitas pessoas que trabalham, mas não podem pagar os estudos dos filhos ou as casas."
E para o Brexit? Estão preparados?
"O Reino Unido, para nós, é um país pequeno. Representa 2% dos nossos lucros. Está a crescer, mas com um desempenho negativo, o que é um sinal claro que há muita incerteza neste mercado. Ainda não estou completamente convencido de que vá acontecer, porque a lista de pontos negativos é muito maior do que a de positivos. Se houver um Brexit, muitos dos serviços financeiros de empresas britânicas vão mudar-se para a Holanda, Alemanha, França... Somos líderes de mercado em dois deles e terceiro no outro, por isso será sempre bom para nós."
Quais são as expectativas de crescimento das receitas?
"É um panorama muito estável. O que fazemos sempre quando anunciamos um trimestre é olhar para os volumes de pessoas que estão a trabalhar no mês do report. Quando divulgámos o terceiro trimestre, vimos duas semanas do volume em Outubro e pareceu bastante estável. A única coisa é que em 2016, em Dezembro, houve mais um dia de trabalho porque o Natal coincidiu com um fim-de-semana e por isso tivemos um grande crescimento em Dezembro, o que é um pouco artificial por causa dos dias de trabalho, pelo que será uma comparação difícil nesse sentido. O crescimento que tivemos em 2016 do terceiro para o quarto trimestre foi de mais 2,4% por causa de fatores de calendário. No mercado americano não vemos ainda uma retoma."
E para Portugal?
"Estamos a ter um bom desempenho, de acordo com o mercado. A economia está a desenvolver-se, a melhorar, mas ainda não está estável. Os investimentos estão a acontecer, não ao ritmo que a indústria gostaria, mas é um cenário positivo com algumas questões no que diz respeito ao futuro próximo.
Foi anunciada uma taxa de desemprego de 8,5% no último trimestre, o que é um indicador claro de que há recuperação da economia. Não mais do que há três anos, estava nos 17%. É uma mudança dramática que também cria desafios para a indústria de RH, porque a escassez de pessoas para determinados trabalhos está a tornar-se num problema para a economia. Os restantes desempregados, o que inclui também jovens, não se estão a enquadrar naquilo que o mercado está a pedir. Isto é um desafio para todos nós, para a indústria em geral."
As empresas estão preparadas para esta mudança de paradigma?
"Algumas estão, outras não. Foco-me no empregado, mas também é a empresa. Portugal é interessante porque, por um lado, a Randstad no País tem a maior quota de mercado face a qualquer outro mercado, temos mais de 30%, mas o papel que desempenhamos para muitos clientes ainda não é suficientemente estratégico. Não é tanto o crescimento mas, sim, o papel que estamos a desempenhar e as oportunidades que estamos a ver.
O José Miguel Leonardo e a sua equipa construíram a Randstad para ser um parceiro estratégico de relevo, para ajudar os clientes a navegar no mercado laborai futuro, para ajudar a formar as pessoas. Isto porque, por um lado, às vezes é difícil encontrar as pessoas e, por outro, cada vez mais vemos pessoas na casa dos 40 anos, que ainda precisam de trabalhar mais 25 anos e as empresas perguntam-se como vão fazer isso.
Temos as ferramentas de big data que permitem ter todo o pessoal a responder a um questionário sobre quem são, como são formados, qual é o vencimento, quais são os seus desejos. O cliente tem uma visão global sobre o que é preciso ser feito para os manter produtivos e as pessoas tem urna radiografia individual sobre a sua prestação e o que podem ou não fazer para a melhorar. Ser grande, ajuda. O nosso negócio sempre foi relativamente fácil de criar. Poderia lançar uma agência de recrutamento amanhã, mas é preciso ter uma base de dados e as ferramentas tecnológicas. Além disso, os nossos clientes querem empresas maiores e mais profundas para trabalhar."
O que é que mudou nos últimos 20 anos naquilo que as empresas querem em termos de talento?
"Tem estado a par e passo com a concorrência de qualquer mercado. No nosso negócio, diria que estamos na terceira onda de desenvolvimento. Na primeira o foco era ser respeitável. Na segunda, e é o que está a acontecer agora em Portugal, é ter uma gestão estratégica de pessoal para todos, não apenas para os colaboradores permanentes, mas para todo o contingente, freelancers... Portanto, temos um papel diferente, estamos no local.
Se não tivermos um bom desempenho, os nossos clientes terão um problema, porque também estão no mercado global. Precisam de baixar custos, têm uma maior necessidade de pessoas especializadas e decidem que não o conseguem fazer sozinhos, porque essa não é, de facto, a sua competência core. Agora estamos na terceira onda, que é muito mais orientada tecnologicamente, porque tudo o que falámos até agora também diz muito mais respeito aos departamentos de Recursos Humanos dos nossos clientes. Eles questionam-se se precisam de investir em determinada tecnologia, se a tecnologia de que necessitam hoje pode estar obsoleta amanhã, se vale ou não a pena correr determinados riscos.
Vemos esta parte de gestão estratégica de pessoal a crescer a dois dígitos. O cliente quer deixar cada vez mais coisas connosco."
Em relação às tecnológicas, é possível que venha a haver uma "bolha", como já houve nas telecomunicações?
"Vou partilhar a minha frustração pessoal no que diz respeito a "bolhas". O LinkedIn tem pouco mais de 400 milhões de perfis, mas não tem pessoas. Vale 25 mil milhões de dólares, mas não tem um lucro a sério. Nós temos 350 milhões de perfis, 36 mil consultores e um lucro de mil milhões. Onde é que está a bolha? À parte disso, há um "hype cycle" e, de repente, a Inteligência Artificial está no hype cycle, porque há muita conversa - a maior parte negativa.
Em Outubro, estava em palco com a Google e a McKinsey que disseram que vai levar muito tempo até a Inteligência Artificial ser realmente uma força valiosa. Vai acontecer, mas há bolhas, e na avaliação de algumas destas empresas, para mim, parece realmente que regressámos aos anos 2000.
Como referi, investimos muito em empresas tecnológicas e o valor nos EUA dispara muito rapidamente, na Europa menos, e às vezes a solução é a mesma. Por isso, sim, há um pouco uma bolha, mas não se pode negligenciar o facto de que é necessário construir isto dentro do negócio.
O que se vê nas empresas que praticamente não tem activos e que têm grandes valorizações é que precisam de ir para o estágio seguinte do seu desenvolvimento. O que vê com a Uber, por exemplo, são críticas da sociedade por não ser empregadora. Depois há empresas que não há muito tempo eram unicórnios e depois caíram fortemente. Não há almoços grátis aqui...
A Randstad é a segunda maior empresa de recrutamento do mundo... A nossa diferença foi de meio ponto percentual no terceiro trimestre..."
O que estão a fazer para chegar ao primeiro lugar?
"A crescer mais rapidamente do que o número 1! No terceiro trimestre obtivemos um crescimento orgânico de 9% e eles de 6%. A diferença entre nós é de meio ponto, por isso é fazer as contas!"
Então é exequível alcançar a primeira posição rapidamente?
"Sim. A não ser que façam algo dramático ou comprem algo ou cresçam mais depressa e nós mais lentamente...
Isso é bom, gosto disso, mas não é uma meta em si mesmo porque, tal como referi, estamos também a olhar para o que a Google, o LinkedIn ou as Amazon deste mundo estão a fazer, porque, embora sejam muito grandes, os RH já são parte daquilo que fazem, por isso..."
Na Monster, que compraram em Agosto do ano passado, quando é esperado o breakeven?
"A Monster era uma empresa que não estava bem. Também é por isso que há alguns anos valia 9 mil milhões e comprámo-la por 400 milhões de dólares. Por isso, é uma empresa que precisa de ser reparada. Dissemos que precisávamos de, pelo menos, este ano para o fazer. No último trimestre tirámos bastantes pessoas que não eram necessárias para o core dos serviços da Monster. Não é o objectivo para a própria Monster atingir o breakeven no próximo ano... poderá ser, mas se ao mesmo tempo conseguirmos investir na Monster e colocá-la de novo de pé e mais valiosa para nós, então fá-lo-emos."
O líder empático
Jacques van den Broek, holandês, nasceu em 1960 e licenciou-se em Direito pela Universidade de Tilburg em 1985. Foi oficial militar antes de iniciar o seu percurso profissional. Começou na Vendex International com uma posição de gerência, tendo em 1988 integrado a Randstad como gestor de filial. Depois de ter sido nomeado director regional na Holanda e, posteriormente, director de Marketing para a Europa, Jacques van den Broek juntou-se ao executive board da Randstad Holding em 2004, assumindo o cargo de CE0 desde 2014. É responsável pelos mercados da Alemanha, Austrália, Nova Zelândia, China, Hong Kong, Singapura e Malásia, pelo Desenvolvimento do Conceito de Negócio, Recursos Humanos, Marketing & Comunicações e Relações Públicas. Casado e com dois filhos, no tempo livre gosta de praticar desporto - futebol, corrida e golfe - e é apreciador de arte.
Helena Rua in revista Marketeer