Não é surpresa que as principais preocupações dos líderes estejam centradas na sobrevivência. Mas, ao gerir as prioridades imediatas, não há enfoque suficiente na identificação de oportunidades a longo prazo que possam contribuir materialmente para a recuperação e aceleração pós-crise. Tendo isto em mente, Michael Watkins, professor de Liderança e Mudança Organizacional na business school global IMD e co-fundador da consultoria de liderança Genesi, e Michael Yaziji, professor de Estratégia e Liderança no IMD, identificam - na MIT Sloan Management Review - como procurar oportunidades no meio de uma crise.
Na Natureza, as debandadas ocorrem quando manadas de animais fogem da ameaça de predadores. Da mesma forma, entre humanos, temos inúmeros exemplos de comportamento de manada, incluindo motins, eventos desportivos e a acumulação de bens em tempos de crise. Como investigadores que estudam organizações, Michael Watkins e Michael Yaziji perguntaram se o actual pânico económico em relação à pandemia de COVID-19 estaria a aumentar um certo (e compreensível) comportamento de manada entre líderes.
Inquiriram 460 executivos globais sobre como esperavam que a COVID-19 afectasse as suas organizações a curto e longo prazo, onde estavam a concentrar a sua atenção e quais as acções que estariam a tomar. Complementaram isso com debates mais aprofundados com um grupo selectivo de 50 executivos para compreender melhor as diferenças entre várias empresas que estão a lidar com a crise.
Embora muitas respostas tenham reflectido preocupações habituais, identificaram oportunidades importantes para os líderes apoiarem a preservação da cultura e das capacidades organizacionais – a combinação de competências, processos e tecnologias que diferenciam uma empresa – a curto prazo, e para desenvolverem novas capacidades.
Preocupações previsíveis sobre o futuro
Verificaram que a magnitude do impacto da crise da COVID-19 nas empresas varia de acordo com os sectores dos inquiridos, de forma previsível. As suas preocupações foram maiores a curto prazo (dentro dos seis meses seguintes) do que a longo prazo em cerca de 15%, em todos os sectores.
Também analisaram como a dimensão e o tipo de empresa afectam a percepção do impacto. A investigação concluiu que as grandes organizações se sentem menos ameaçadas pela crise do que as mais pequenas, tanto a curto como a longo prazo. Apenas 55% dos inquiridos de empresas com mais de 50 mil colaboradores relataram que os efeitos nos próximos seis meses serão muito elevados ou extremamente graves, contra 73% dos empresários individuais e 60% dos inquiridos de organizações com dois a nove colaboradores.
Além disso, os líderes de empresas privadas sentem-se menos seguros do que os de empresas cotadas em bolsa, com 66% dos primeiros a anteciparem impactos muito elevados ou extremamente severos, contra 58% dos segundos. Uma possível consequência é que as empresas maiores, cotadas na bolsa, podem estar em melhor posição não só para resistir a uma crise, mas também para procurar oportunidades no meio dela. Dada a sua relativa estabilidade financeira e a fraqueza de alguns concorrentes mais pequenos no contexto actual, os players maiores que têm mais recursos relativos podem estar bem posicionados para aquisições ou outros investimentos estratégicos. Por outras palavras, é um mercado para quem compra.
No entanto, olhando para os dados, não se vêem diferenças significativas entre grandes organizações negociadas em bolsa, por um lado, e empresas mais pequenas e privadas, por outro, em termos de encontrar oportunidades estratégicas no meio da crise. Em certa medida, isto reflecte um problema habitual dentro das organizações em torno do pensamento estratégico: Quando se está no meio de uma grande crise, a tendência natural é permanecer vigilante na avaliação da situação, desenvolvendo planos de resposta e mobilizando a organização para ameaças imediatas. Ao gerir as prioridades imediatas, não há enfoque suficiente na identificação de oportunidades a longo prazo que possam contribuir materialmente para a recuperação e aceleração pós-crise.
Um enfoque a curto prazo, mas mais no topo
Tendo em conta este problema comum, não é uma surpresa que as principais preocupações dos líderes estejam centradas na sobrevivência. Implica principalmente lidar com a perda de receitas, dificuldades de fluxo de caixa e danos no moral dos colaboradores, tudo com impactos relativamente súbitos que são mais variáveis a curto prazo, com a preocupação a diminuir significativamente ao fim de seis meses.
No entanto, uma minoria significativa de inquiridos demonstrou preocupar-se com os danos na cultura organizacional e nas capacidades nucleares existentes, bem como com a necessidade de desenvolver novas capacidades. Mais de um terço dos inquiridos classificou a necessidade de desenvolver novas capacidades como uma preocupação muito elevada ou grave. Ao contrário das preocupações sobre receitas, fluxo de caixa e moral dos colaboradores, estas foram vistas como igualmente preocupantes para além de seis meses, assim como a curto prazo.
Curiosamente, porém, os líderes de nível júnior estão muito mais preocupados com a perda de aptidões e com o desenvolvimento insuficiente de capacidades para o sucesso futuro do que os executivos seniores.
Porquê? Talvez os executivos de alto nível estejam mais sintonizados com os resultados finais. Talvez estejam menos sintonizados com as mudanças no mercado que irão exigir novas capacidades. Não se pode chegar a conclusões definitivas, mas a diferença entre percepções nos diferentes níveis da organização é, por si só, algo que os líderes precisam de compreender e abordar.
Como procurar oportunidades no meio de uma crise?
A maioria das crises cria oportunidades a longo prazo, bem como ameaças, porque produzem mudanças rápidas e sustentadas no ambiente externo e interno das organizações. A ideia é que a crise da COVID-19 pode gerar a oportunidade de adquirir concorrentes e fornecedores, bem como talentos de topo, a uma fracção do preço de há alguns apenas meses. A exploração destas oportunidades exigirá, porém, que os líderes evitem ser totalmente consumidos pelos impactos a curto prazo da crise e estejam dispostos a assumir alguns riscos na realização de investimentos num ambiente muito competitivo.
Relativamente à aquisição de talentos, há realmente muitas oportunidades. O medo de empregos perdidos é três a sete vezes maior em organizações com menos de 100 colaboradores, em comparação com organizações com mais de 10 mil colaboradores. As implicações para os líderes das organizações mais pequenas são claras: precisam de estar muito atentos à insegurança nas suas organizações.
Mas a implicação menos óbvia para as empresas maiores é igualmente importante. Enquanto há apenas meses houve uma guerra pelo talento, as mudanças actuais repentinas e a redução de efectivos que ocorrem em todos os sectores significam novas oportunidades para o recrutamento de talentos de topo.
As dúvidas em relação à cultura e às capacidades nucleares, e às oportunidades que a crise está a criar, destacam uma questão fundamental para os líderes: Como procurar oportunidades no meio da crise? Já estamos a ver organizações a criarem equipas autónomas de planeamento pós-crise. Estas equipas devem ser responsáveis pela avaliação dos impactos a longo prazo e de como as suas organizações devem preparar-se para acelerar a saída da crise, sendo daqui a um ano um período de planeamento razoável para a emergência. Especificamente, deveriam fazer estas perguntas:
- O que é susceptível de mudar permanentemente como resultado da crise?
- Quais as tendências existentes que a crise deve abrandar ou acelerar?
- Será que este tipo de mudanças cria oportunidades e/ou ameaças pós-crise que podem ser aproveitadas se levarmos a cabo as acções correctas rápida e eficazmente?
- Em caso afirmativo, o que tem de acontecer para se lançarem as bases para tal?
É claro que o aproveitamento das oportunidades pós-crise não deve ser feito sem lidar eficazmente com os desafios imediatos. As empresas e as equipas de liderança devem concentrar-se, antes de mais, em fazer um trabalho eficaz de resposta à crise. Contudo, as boas organizações conseguem fazer este tipo de processamento paralelo se compreenderem o seu valor. Para os líderes de hoje, mesmo um investimento modesto na formação da realidade pós-pandemia pode colher enormes benefícios potenciais para a sua organização.