A pandemia impôs uma drástica redução da actividade da Fnac e isso teve impacto nos seus mais de 1700 colaboradores em Portugal. «Falar verdade” foi o ponto de partida para gerir a crise. E continuará a ser fundamental, dada a necessidade de aceleração e de concretização da estratégia de uma forma assertiva.
Entrevista a Joaquim Almeida, director de Recursos Humanos da Fnac
Com os condicionalismos trazidos pela pandemia, que obrigou a que tivessem as vossas lojas fechadas, qual foi o vosso Plano B para não comprometer a estratégia que tinham definida?
Nós tivemos lojas fechadas em 2020, no período inicial da pandemia, entre Abril e Maio. Desde então e até finais de Julho último, tivemos redução de horários de funcionamento em dias úteis e aos fins-de-semana. O fecho das lojas em concreto e a redução de horários implicaram a elaboração de planos de contingência, de modo a assegurar a actividade do canal online, o que implicava e tinha como objectivo manter em funcionamento a equipa da própria loja digital, bem como das equipas de Serviços e Sede de suporte - Logística, Comercial, Marketing, etc.
De qualquer modo, o impacto foi, obviamente, muito forte ao nível das vendas e do resultado. No meio disto tudo, fizemos um trabalho exemplar e determinante na garantia das melhores condições de segurança para os colaboradores e para os clientes.
Foi impossível não comprometer a estratégia, mas, ainda assim, ajudou a desenvolver áreas como o digital, acabando por ter até um lado "positivo"?
O nosso canal digital já era forte e tinha um peso significativo na actividade. Claro que o seu peso ainda se acentuou mais. Já trabalhávamos o omnicanal e os fluxos, mas a pandemia, se por um lado confirmou a justeza do caminho que vínhamos fazendo, por outro trouxe um sentido de urgência e necessidade de aceleração da transformação digital, a vários níveis.
A estratégia de negócio da Fnac para Portugal, e não só, foi redefinida como consequência dos últimos 17 meses?
Directamente decorrente da pandemia, não. O grupo Fnac Darty e a Fnac em Portugal trabalham em planos estratégicos a cinco anos e com envolvimento de muita gente, de muitos colaboradores, em vários países. O que salientaria é a necessidade de aceleração e de concretização da estratégia de uma forma assertiva, envolvente, com ritmo, de modo a atingirmos os objectivos ambiciosos que temos.
Quais são agora os principais desafios e prioridades no negócio?
Globalmente, temos quatro eixos fundamentais: Desenvolver Serviços, Omnicanal & Lojas, Responsabilidade Social Empresa e ter Equipas Comprometidas e Especialistas.
Ao nível da gestão de pessoas, qual foi o impacto trazido pela pandemia? Para além de mudar o modelo de trabalho, sendo que grande parte da vossa actividade é presencial, tiveram que colocar pessoas em layoff, reorganizar funções - por exemplo para quem estava na loja - requalificar profissionais e lideranças...?
Aconteceu de tudo isso um pouco. Em lay-off estivemos somente quando as lojas fecharam, excepto web, logística e alguns serviços da Sede. Em dois meses tivemos cerca de 80% dos colaboradores em lay-off. Importa referir que todos os rendimentos foram assegurados na totalidade.
Outro detalhe importante é que a Fnac nunca procedeu a despedimentos, para além de rescisões normais de contratos a prazo e durante período experimental.
Saliento que tivemos durante todo o ano de 2020 e parte de 2021 uma drástica redução da actividade nas lojas físicas pela diminuição da frequentação e das vendas - que chegaram a atingir os 80% e 50%, respectivamente, excepto em Abril e Maio 20, em que foi total. Perante este cenário, o objectivo foi de preservar os quase 1700 postos de trabalho permanentes que temos, e conseguimos!
Reorganizar funções de forma abrangente, por enquanto, ainda não, mas no futuro haverá trabalho a fazer. É claro que a mudança nos hábitos e no mix de canal se vai desenvolver e consolidar. O nosso canal web e o omnicanal já eram relativamente bem desenvolvidos e, no entanto, temos vindo gradualmente a alterar as funções e as competências em loja, por via da formação e transferência de colaboradores, no sentido da polivalência, da mobilidade entre sectores e no reforço de áreas de entrega omnicanal.
A função logística vai ganhar importância - o que significa melhor organização, melhores fluxos, mais rapidez, etc -, mas será, na Fnac, diferente, porque é mais rica do que propriamente entregar produto.
Um impacto importante também se verificou nas funções de suporte, na sede, em que passamos a ter quase 100% dos 220 colaboradores em teletrabalho. Esta é uma realidade à qual nos tivemos de adaptar em dias.
O que foi fundamental nessa gestão e como mantiveram as pessoas motivadas?
Julgo que fundamental foi falar verdade aos colaboradores e mantê-los informados regularmente das decisões mais importantes face ao evoluir da situação no país. Implementamos uma comunicação digital e por mail semanal, com variadas rubricas, onde também havia muitos conteúdos criados e geridos pelos próprios colaboradores. Creio que isto aproximou as pessoas e deu sentido ao que fazíamos.
O que diria que foi mais difícil gerir?
Diria que foi o distanciamento, as pessoas ficarem em casa, não comunicarem fisicamente nos escritórios. Muitos queriam, e querem, voltar, querem vir todos os dias para o escritório. Hoje já podem, mas antes de 31 Julho não podiam porque o teletrabalho era obrigatório. De resto, temos um sistema de rotação semanal 50/50.
Que lições e aprendizagens foram úteis e não se devem perder?
A importância da comunicação interna, de falar verdade e de envolver todos os colaboradores nas grandes decisões da empresa. Isto é fundamental. “Não basta ser, há que parecer também”, costuma-se dizer. Sempre fizemos coisas boas, mas não as conseguíamos tornar visíveis, percepcionadas, as pessoas desconheciam, até as próprias chefias! E não falo só do que fazemos para as pessoas, também do que as pessoas fazem e do que fazem para e a bem dos clientes.
A comunicação serve para dar a todos visibilidade da vida da empresa e das pessoas que a constituem. O nível de compromisso e de pertença dependem em larga medida disto. Por outro lado, também ao nível dos benefícios orientados para a flexibilidade e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, temos exemplos que implementamos com sucesso e que vamos aperfeiçoar e desenvolver. A qualidade de vida entrou num novo patamar de percepção e de acção.
O que vai mudar (ou já mudou) nos vossos modelos de trabalho?
Eu diria que o que mais mudou foi o teletrabalho. Hoje temos um pouco mais de 200 colaboradores da sede em teletrabalho - cerca de 12% do total. As lojas claro que não podem praticar teletrabalho. Quando não é sendo obrigatório, praticamos um sistema de rotação semanal 50/50, garantindo a presença física na sede de máximo 50% das pessoas. As equipas estão divididas em dois grupos e com horários diferenciados, garantindo assim o distanciamento e outras medidas de segurança - uso da copa, dos transportes públicos, etc. Todos apreciam este sistema. Na prática é o equivalente a 2,5 dias de teletrabalho por semana.
Acredita que isso vos vai tornar uma empresa mais atractiva para trabalhar? Quais os vossos principais argumentos para atrair e reter talento?
A Fnac já é uma das empresas mais atractivas para trabalhar. Como critérios, principalmente para reter, posso enumerar alguns: em primeiro lugar, ter uma adequada e justa política de remunerações, procurando o equilíbrio entre fixo e variável, praticando a meritocracia e fazendo evoluir os salários mais baixos. O foco é valorizar mais quem mais contribui e produz, quem tem mais potencial e talento, quem é mais critico para a operação e desenvolvimento da empresa.
Depois, temos de trabalhar num plano de benefícios excelente, pois hoje esta matéria ganhou mais importância, quase ao nível da remuneração, e a sua permanente actualização e enriquecimento é crucial.
Há também que cultivar e manter um bom clima social na empresa, o que passa pelo espirito de equipa, compromisso, entreajuda, colaboração, cooperação. É ainda fundamental dispor de uma política de desenvolvimento pessoal e profissional, apoiada na formação e nas promoções internas, em equilíbrio com os recrutamentos externos, claro.
Por fim, mas não menos importante, temos de incentivar a iniciativa, a inovação, a capacidade de decisão e a autonomia, domínios onde devemos ter politicas activas.
É mais dificil atrair ou reter talento, actualmente?
No nosso caso, é mais difícil reter e é nisto que vamos continuar a investir.
Em termos de recrutamento, quais as principais dificuldades que sentem?
Há duas ou três áreas onde sentimos mais dificuldades, devido a factores diversos. Salários “acima do normal”, locais de trabalho no interior do país - todos querem Lisboa ou centro Lisboa, e, o mais importante, falta de oferta para funções especificas.
Que prioridades assumem na Gestão de Pessoas, actualmente?
Destacaria a formação como vector prioritário. Dito assim pode parecer simples, mas a formação tem de ser diferente na forma e no conteúdo. Obvio que falo da Fnac e para nós isto é importante. O foco no cliente ganha uma nova dimensão.
Por outro lado, as pessoas também têm de ter consciência da mudança - a importância de falar verdade por parte da empresa -, depois só há uma alternativa, ou também elas mudam e se adaptam, ou então irão passar muito mal. É que hoje a formação não é uma obrigação só da empresa. A curiosidade pessoal é fundamental para a evolução. Quem não perceber isto ...
Que tendências perspectiva, para o vosso sector e para o mercado de trabalho?
O nosso sector continuará a ser dos mais dinâmicos e inovadores, o digital vai continuar a aumentar o seu peso e as lojas físicas terão de se reinventar, tal como os centros comerciais. As pessoas vão continuar a ir às lojas, mas vão querer outras experiências, até para levantar um produto.
Uma coisa é certa: nada ficará igual! Durante milhares de anos a sociedade foi-se desenvolvendo, poucochinho. Mas agora tudo muda em anos, ou meses, e radicalmente.
O mercado de trabalho também irá evoluir, porque as necessidades também não serão as mesmas. E haverão funções novas. Veja-se o exemplo do teletrabalho: pensávamos introduzir o teletrabalho em um ou dius dias por mês num departamento sede para experimentarmos - plano que tínhamos para 2020 - e de repente tínhamos 200 pessoas em tetetrabalho permanente. Foi necessário comprar computadores, telemóveis, reorganizar reuniões, aderir a ferramentas até ali “desconhecidas”, tipo Teams e outras, etc. E agora o teletrabalho vai ser uma realidade. Nem todos o podem fazer, nem todos o conseguem e sabem fazer, nem todos estão preparados para isso. Aliás, nem as empresas, nem os lideres, nem os colaboradores. Estas matérias estão interligadas e no âmbito do equilíbrio entre vida profissional e pessoal, onde ainda há muito a descobrir e a exigir adaptação de todos.
Os locais de trabalho também vão sofrer alterações, privilegiando os espaços de partilha, os espaços comuns, deixando de haver lugares cativos, etc. E a formação, como já disse, é outra área em forte evolução para o digital e o e-learning, por um lado, e para a auto-formação por outro.