A promessa – e a ameaça – da Inteligência Artificial (IA) é real. Mas o impacto no emprego ainda não chegou à maioria das organizações. Como é que os líderes de Recursos Humanos estão a preparar uma força de trabalho com IA? Thomas H. Davenport (professor de Tecnologia da Informação e Gestão do Babson College e membro da Iniciativa MIT sobre Economia Digital) e George Westerman (professor sénior no MIT Sloan School of Management e cientista investigador principal para a aprendizagem da força de trabalho no Laboratório Mundial de Educação Abdul Latif Jameel do MIT) partilham as suas perspectivas e conclusões na MIT Sloan Management Review.
Ainda em 2017, títulos como "Os líderes acreditam que as vossas competências profissionais serão inúteis dentro de pouco tempo" (do The Washington Post) eram comuns. Os investigadores da Universidade de Oxford argumentaram em 2013 que 47% dos empregos nos EUA estavam em risco de se perder para a automatização. O MIT lançou a sua task force para analisar o futuro do trabalho em 2018. Líderes de todo o mundo começaram a pensar como as suas organizações seriam diferentes quando milhares dos empregos dos seus colaboradores fossem automatizados.
Passados alguns anos, a história é diferente. Como acontece com muitas tecnologias, a realidade não acompanhou a publicidade – pelo menos não de imediato. Analistas, gestores e gurus da indústria esqueceram-se da primeira lei da inovação digital: a tecnologia muda rapidamente, mas as organizações mudam muito mais lentamente. Muitas pessoas trabalham com máquinas inteligentes no seu trabalho diário, mas poucas perderam o emprego em consequência destas máquinas.
A mudança de emprego, porém, é mais provável. Um estudo de 2021 da McKinsey calculou que 6% dos trabalhadores – particularmente os que desempenham funções com salários baixos – podem precisar de encontrar novos empregos devido à automatização e à pandemia. Um estudo da Deloitte de 2018 concluiu que 82% das empresas que adotaram IA esperavam mudanças laborais moderadas ou substanciais para os seus colaboradores em três anos.
A experiência da última década mostra a dificuldade em prever o momento e o efeito da tecnologia nos trabalhadores e nas competências. Em Novembro de 2020, o relatório final da task force do MIT sobre o Trabalho do Futuro declarou: «Nos dois anos e meio desde que a task force começou a trabalhar, os veículos autónomos, a robótica e a IA avançaram notavelmente. Mas o mundo não foi virado do avesso pela automatização, nem o mercado de trabalho.»
O atraso do momento em que a IA e os robôs começaram a dominar empregos diminuiu o nível de publicidade nos meios de comunicação e reduziu o nível de preocupação de muitos gestores e trabalhadores. Mas alguns líderes ainda estão a considerar como preparar as suas empresas, e os seus colaboradores, para mudanças que surgirão, à medida que os dados organizacionais e os algoritmos de aprendizagem automática amadurecem.
Para compreendermos como as organizações se estão a preparar para o futuro da sua força de trabalho, Davenport e Westerman contactaram directores de Recursos Humanos (RH) e de Talento em várias grandes empresas e perguntaram como se estão a preparar para as mudanças nas profissões e nas competências das suas organizações.
De longe, a resposta mais comum que ouvimos foi: "Não estamos a fazer muito para nos prepararmos para a IA." Alguns líderes de RH e as suas empresas, contudo, estavam a tomar medidas para se prepararem para o momento em que as mudanças começassem a acontecer. Poucos estão ainda a utilizar activamente a IA para mudar processos e empregos, mas estão a ajudar os seus trabalhadores a prepararem-se para uma altura em que a IA será muito mais prevalecente do que é hoje.
São estas as quatro estratégias que as empresas mais estão a seguir no que respeita aos seus recursos humanos.
Estratégia 1: Não fazer nada
Há argumentos a favor de não se fazer nada para preparar os trabalhadores para mudanças relacionadas com a IA nos empregos. Quando perguntámos aos líderes de RH de uma empresa de serviços de defesa, por exemplo, porque não faziam nada, eles ofereceram três razões lógicas:
1.º A empresa tem muitas outras prioridades diferentes no curto prazo. Vale a pena investir em algo que é tão a longo prazo e cujo impacto é incerto?
2.º As mudanças de emprego e a automatização estão a avançar muito mais lentamente do que os especialistas previram. Seremos capazes de nos ajustar à medida que as mudanças forem ocorrendo. Quando os postos de trabalho mudam, na maioria das vezes é graças ao aumento de tarefas ou de novas competências em vez de despedimentos. Este tipo de mudança é menos difícil de conseguir e mais fácil de planear.
3.º Há tanta incerteza em torno do prognóstico que é provável que estejamos errados. A empresa terá de fazer mais ajustes em tempo real, de qualquer forma.
Podemos argumentar, contudo, que é possível prever algumas mudanças de emprego a partir da IA, ou pelo menos ajudar melhor os colaboradores a prepararem-se para mudanças de emprego mais genéricas. A actualização de competências pode ser um processo moroso, pelo que também apontaríamos para organizações que estão a tomar medidas agora.
As próximas três estratégias de mão-de-obra descrevem as abordagens mais proativas que algumas empresas estão a adoptar para se prepararem para um futuro incerto.
Conclusão: Podem decidir que faz sentido esperar para preparar os colaboradores para a IA, mas não ignorá-la. Mesmo que estejam a ir devagar, mantenham-se atentos às tendências, para que possam agir rapidamente quando necessário.
Estratégia 2: Desenvolver competências digitais
Algumas empresas que querem requalificar colaboradores não têm a certeza das competências específicas que serão necessárias para os empregos do futuro, mas estão confiantes de que essas competências serão orientadas digitalmente. A Amazon, por exemplo, comprometeu-se a gastar 590 milhões de euros em requalificação profissional para garantir que os seus colaboradores tenham as competências de que necessitarão para prosperar num mercado de trabalho cada vez mais digital. O foco principal da empresa é um terço dos seus colaboradores nos centros de distribuição, na sua rede de transportes e nas funções não técnicas na sede. Os exemplos que fornece são a requalificação de trabalhadores nos centros de atendimento (que estão mais vulneráveis à automatização) para empregos como técnicos de apoio informático, e a ajuda aos trabalhadores empresariais não técnicos para aprenderem competências de engenharia de software.
Acreditam assim que, quaisquer que sejam as mudanças que aconteçam nos empregos futuros, os colaboradores – e os seus empregadores – estarão em melhor situação se tiverem mais qualificações nas tecnologias digitais.
Resumindo: Independentemente da rapidez ou amplitude com que a IA mudará os empregos, quase todos farão mais com a tecnologia ao longo do tempo. Dar às pessoas uma formação baseada em cargos para atingirem o nível certo de competências digitais pode ajudar a prepará-las melhor para aceitarem a mudança e até para inovarem.
Estratégia 3: Prever as tendências do emprego
Prever a natureza dos trabalhos futuros é, evidentemente, difícil ou impossível de fazer com precisão. E mesmo que as previsões sejam possíveis, provavelmente serão substancialmente diferentes de emprego para emprego. No entanto, algumas empresas estão a enveredar por abordagens que prevêem o futuro de todos os empregos na organização, aqueles que são particularmente susceptíveis de serem afectados pela IA, ou que estão intimamente ligados a estratégias futuras.
Algumas empresas estão a fazer previsões de emprego específicas com base nas suas estratégias ou produtos. Na Europa, um consórcio de empresas de microelectrónica está a dedicar dois mil milhões de euros à formação de actuais e futuros colaboradores em componentes e sistemas electrónicos. A General Motors está concentrada na formação dos seus trabalhadores para o fabrico de veículos eléctricos e autónomos. A Verizon está concentrada na contratação e formação de cientistas de dados e de profissionais de marketing para expandir a sua tecnologia sem fios 5G. A SAP está concentrada em aumentar as competências dos seus colaboradores em cloud computing, desenvolvimento de inteligência artificial, blockchain e internet das coisas.
Estas mudanças específicas do sector são previsões mais fáceis de fazer do que para as empresas em geral, embora também possam correr mal.
Resumindo: Prever os impactos laborais da IA é difícil, mas existem métodos que podem ajudar, incluindo a rubrica SML desenvolvida pelos nossos colegas da Iniciativa MIT sobre a Economia Digital. O objectivo não deve ser prever a mudança para cada emprego, mas sim identificar os empregos com maior probabilidade de mudança, para que se possa conduzir a mudança proativamente ao ritmo que for mais adequado.
Estratégia 4: Ajudar os colaboradores a escolherem os seus próprios futuros
A Unilever está a adoptar uma abordagem diferente na preparação dos trabalhadores para futuros empregos. Em vez de tentar prever que postos de trabalho irão mudar, a empresa está a ajudar os trabalhadores a controlarem mais os seus próprios caminhos. Os trabalhadores podem fazer as mudanças que querem fazer nos seus empregos e carreiras, em vez de terem de esperar para reagirem às mudanças que lhes são impostas. A Unilever facilita este processo através da descrição de progressões alternativas de carreira e ao ajudar os trabalhadores a escolherem as profissões-alvo e a compreenderem as competências necessárias para as atingir. Depois, fornece uma vasta gama de opções – tanto de formação interna como externa – para adquirirem essas aptidões.
Uma das ferramentas de Recursos Humanos mais populares na GE Digital mostra aos trabalhadores quais os cargos na empresa que são os próximos passos naturais depois daqueles onde se encontram actualmente. Os colaboradores podem olhar em privado para a ferramenta para ver os possíveis caminhos que podem seguir, competências que podem precisar de adquirir, ou mesmo vagas disponíveis. Isto ajuda os trabalhadores a sentirem-se menos "presos" nas suas funções actuais e a sentirem que têm mais controlo sobre as suas posições na empresa.
Conclusão: A mudança está a acontecer rapidamente em todos os postos de trabalho, quer seja ou não impulsionada pela IA. Ao ajudarem os trabalhadores a serem donos das suas carreiras, podem torná-los mais produtivos agora e mais propensos a permanecerem convosco a longo prazo.
As mudanças não são sobre a IA ou COVID-19 ou qualquer nova tecnologia específica. Trata-se de compreender que as empresas precisam de ser mais ágeis na qualificação e no pessoal, e na sua capacidade de se ajustarem à mudança. É uma mentalidade que todos os líderes de Recursos Humanos e de Talentos devem ter, independentemente de estarem ou não prestes a surgir grandes ameaças.