Há pouco talento disponível para responder às necessidades das empresas e esse, para Filipa Silva, head of HR da Vanpro, é um dos principais desafios atuais. Mas, cada vez mais, trata-se não só de atrair pessoas, mas de atrair as pessoas certas. Por outro lado, na indústria automóvel, há uma clara necessidade de adaptação tecnológica e o perfil das pessoas certas também se alterou.
Entrevista a Filipa Silva, head of HR da Vanpro
A produção automóvel em Portugal caiu 29,5% em Junho deste ano, face ao mês homólogo, mas a queda é ainda maior quando comparado com Junho de 2019 (43,6%). Esta circunstância afetou a vossa atividade?
O impacto da pandemia no sector automóvel – sobretudo por causa da falta de componentes – está a verificar-se à escala global e a Vanpro não é exceção. Temos tido um ano marcado por várias paragens e ajustes de produção.
Como a Vanpro produz apenas para um cliente e num sistema de “just in time”, temos necessidade de nos adaptar ao calendário de produção deste.
Como tem evoluído a atividade da Vanpro e quais são os principais desafios atualmente?
A Vanpro é fornecedora da VW Autoeuropa desde o primeiro dia e, atualmente, é a única fornecedora de assentos automóveis. Neste momento, o nosso desafio é assegurar o lançamento do facelift do T-Roc. O que requer formação e capacitação dos nossos trabalhadores, para poderem estar preparados no dia um para responder com o nível de qualidade exigido.
Que objetivos têm para este ano e o que esperam alcançar no próximo?
O nosso principal objetivo será continuar o nosso trabalho para capacitar a empresa e torná-la competitiva para responder a futuros desafios e projetos da VW Autoeuropa. Falamos de investimento tecnológico, capacitação das nossas pessoas, etc.
Noutra vertente, continuamos empenhados em implementar políticas de sustentabilidade e de responsabilidade social, pelo que teremos também algumas alterações e investimentos nessas frentes.
Em concreto ao nível da Gestão de Pessoas, quais são os principais desafios?
Atrair as pessoas certas é um desafio – sendo claro que aquilo que é a “pessoa certa” varia de empresa para empresa em função de muitos fatores, pois o que é a pessoa certa para mim, pode não ser para outra empresa. Creio que todos os sectores de atividade estão a passar pela mesma dificuldade. Felizmente, a taxa de desemprego é baixa, mas isso faz com que haja menos candidatos disponíveis no mercado.
Qual a estratégia e prioridades que assumem para dar resposta a esse desafio?
Temos, antes de mais, um foco em mobilidades internas – quando há uma vaga, primeiro vemos que candidatos internos podemos ter, antes de irmos ao mercado.
Temos de ter muito claro o perfil que procuramos, sobretudo naquilo que são “não negociáveis” e “nice to have”. Procuramos selecionar os trabalhadores da forma mais rigorosa possível e investir no seu processo de integração.
Assumem como missão reforçar as competências e "know-how" necessários para se tornarem fornecedores de referência para os atuais e novos projetos da VW Autoeuropa. Como é que o concretizam?
Trabalhando todos os dias para termos as pessoas certas no lugar certo, para respondermos de forma eficaz aos atuais desafios e desenvolvendo as nossas pessoas para que estejam capacitadas para o desafio futuro.
Temos de ter capacidade de antecipar aquilo que serão as necessidades do cliente, avaliar o nosso gap e construir planos de resposta, de forma a que, quando o cliente tiver novos projetos, nós já estejamos preparados. Se só nos prepararmos quando tivermos a solicitação, já vamos tarde.
Que competências, para além das técnicas, procuram?
Responsabilização, pois cada trabalhador deve sentir-se “dono” do seu trabalho, trazer para si as responsabilidades e conseguir gerar resultados; trabalho em equipa, pois o grande cliché é uma verdade inegável: não conseguimos fazer nada sozinhos; uma mente curiosa, pois só assim conseguimos uma mentalidade de crescimento e de melhoria contínua. E integridade, acima de tudo. Temos de confiar nos colegas que estão à nossa volta, para nos podermos focar nos desafios externos.
Quais diria que são mais difíceis de encontrar, as técnicas ou as soft skills?
Diria que depende da função que procuramos, mas tenderia a responder as soft skills.
A nossa atividade é bastante específica e temos consciência que pode haver mais dificuldade de adaptação à indústria e aos postos de trabalho. Por isso, para a maioria das funções, se a pessoa tiver as soft skills que nós valorizamos, procuramos apenas um nível de destreza e conhecimento técnico que nos deixe suficientemente confortáveis. O resto desenvolve-se.
Sentem dificuldades de recrutamento? Em que perfis isso se faz mais sentir?
Sem dúvida, sobretudo em funções técnicas. Embora, geralmente, consigamos encontrar o candidato certo, notamos que há menos talento disponível para entrevista.
Para contornar a escassez de profissionais apostam em formação "própria"? O que acha que podia/ devia ser feito neste âmbito?
A formação é, sem dúvida, uma ferramenta crítica para nós. Na Vanpro e justamente pela especificidade da nossa atividade, se queremos recrutar, por exemplo, operadores de produção, não há propriamente oferta no mercado de pessoas que tenham experiência em montagem de assentos. Acabamos por recrutar pessoas sem experiência profissional na área e temos um período inicial de formação bastante intenso para a capacitação dos trabalhadores.
Este processo começa por formar em questões básicas de recursos humanos; higiene, saúde e segurança; e qualidade, depois formação técnica teórica e depois formação prática. Assim, asseguramos que as pessoas quando são alocadas aos postos já têm um conhecimento e uma destreza que lhes permite executar o seu trabalho em segurança e com qualidade.
Nos restantes níveis também apostamos em formação, quer técnica, quer comportamental.
Continuamos a sentir uma falta de profissionais em funções técnicas – por exemplo manutenção e logística. A relação com as escolas profissionais é importante e promovermos estágios e integração posterior dos jovens formandos seria um caminho evidente, mas deparamo-nos com algumas dificuldades em termos de conhecimentos técnicos – que devem ter numa escola profissional – e perfil comportamental.
A forma como vemos e desenvolvemos o ensino técnico devia ser diferente.
Quais os vossos argumentos para atrair e reter talento? A indústria é um sector atrativo, nomeadamente para os jovens talentos?
Eu continuo a acreditar que a indústria automóvel é muito atrativa, pois é um ambiente que está realmente em constante evolução e a enfrentar desafios novos todos os dias. Para talentos que procuram um crescimento acelerado e um ambiente em que não há dois dias iguais, é uma indústria onde se pode aprender imenso, qualquer que seja o nível profissional em que estejamos.
Não nego que há desafios devido ao perfil das gerações que estão a entrar agora no mercado de trabalho, em relação ao que procuram e o que valorizam.
E a própria pandemia acabou por trazer novas dinâmicas de trabalho – nomeadamente teletrabalho – que, se no início nos assustaram (quem não reclamou que trabalhava mais horas, que não desligava, que as paredes da casa pareciam encolher?), a verdade é que, depois de encontrarmos um equilíbrio, nos permitiram ver o teletrabalho, como uma mais-valia para a organização da nossa vida pessoal. E, quando se trabalha numa fábrica, as possibilidades de teletrabalho são mais reduzidas, ou até impossíveis.
Em ambos os casos, são desafios aos quais vamos ter de aprender a responder, adaptando-nos também. Por vezes, o impossível não é assim tão impossível e estes momentos mais disruptivos também nos desafiam a pensar mais “fora da caixa” e a entender realmente o que pode ter um ponto de compromisso.
Como e onde recrutam?
O recrutamento depende da função que procuramos. Funções de confiança ou que requerem competências e conhecimentos específicos, recrutamos no mercado, em indústrias que podem ter o perfil de pessoas que procuramos.
Para outras funções, promovemos muito o recrutamento interno, fazendo anúncio e entrevistas internamente, dando oportunidade aos nossos trabalhadores de se darem a conhecer.
Temos tido bastante sucesso com esta modalidade, pois permite-nos reconhecer, desenvolver e reter talento internamente.
A que modalidades de contratação costumam recorrer? O trabalho temporário é um recurso importante? Ou, contratam por projeto, por exemplo...
O trabalho temporário é um recurso importante, na medida em que nos dá flexibilidade para nos adaptarmos às flutuações da indústria. E, quando temos vagas internas efetivas, “olhamos” para os trabalhadores temporários que temos e convidamo-los a integrar os quadros da empresa, o que acontece com regularidade.
Por que mudanças o sector está a passar e qual o impacto que isso tem na gestão de pessoas?
O sector está cada vez mais tecnológico e as nossas fábricas também. Há uma clara necessidade de adaptação tecnológica, e o perfil das pessoas certas para as funções também se alterou. Isto quer dizer que os novos trabalhadores têm um perfil diferente de há 20 anos, mas também que temos de ajudar os trabalhadores que já temos há 20 anos neste processo de adaptação. Creio que a adaptação tecnológica é o mais premente nas nossas agendas.
Por outro lado, o mundo agora é global, pelo que teremos de ser mais flexíveis e olhar novas formas de trabalhar.