Sabendo que os ciclos de retenção de talento nas empresas de tecnologia estão, em média, fixados nos três anos, a Fabamaq, empresa especializada em jogos para casinos, quer ser uma excepção que contraria este indicador pela positiva. Saiba como.

A Fabamaq foi criada em 2010, com nove gamers – assim chama aos colaboradores – e hoje conta já com 150. Mas Luís Silva, head of Marketing & People Management na empresa, garante proximidade criada na sua génese ainda vive na Fabamaq, que se diferencia pelo “walk the talk”, em duas dimensões essenciais.

 

Como surgiu a ideia de criar uma empresa especializada em jogos para casinos?

A ideia partiu de uma necessidade real do mercado, que tinha espaço para uma software house capaz de desenvolver o produto de A a Z. Perante este contexto, Portugal, e o Porto em particular, afigurou-se como uma óptima opção na medida em que, já em 2010, tinha uma Universidade e instituições de ensino de referência e com capacidade para forjar os talentos necessários para criar esta operação. E assim surgiu, nesse ano, a Fabamaq, com nove gamers.

 

Quais os principais obstáculos que encontram à concretização da ideia?

O contexto económico em que a empresa nasceu não foi o mais favorável em Portugal e, a par deste desafio, existia uma grande dificuldade na captação de talento que conseguisse dominar as especificidades deste mercado e, em simultâneo, dar resposta às exigências que tínhamos dos mercados externos.

 

Diria que Portugal é um bom país para empreendedores?

Sim, Portugal vive agora uma fase muito positiva no que diz respeito ao empreendedorismo e à criação de novos negócios. Além dos benefícios proporcionados pela Administração Pública, o movimento associativo e das comunidades tem-se intensificado e criado condições para que os primeiros passos das empresas sejam dados de forma mais segura.

Por exemplo, no nosso caso sentimos muito apoio da Câmara Municipal do Porto, com as iniciativas criadas em torno dos movimentos scaleup, através do ScaleUp Porto e do PortoInvest. Além do apoio autárquico, a própria cidade tem vindo a desenvolver um movimento próprio materializado em instituições como a Porto Tech Hub, que nos ajudam a fazer face a desafios como a retenção de talento.

 

Quais os principais marcos evolutivos nestes nove anos de existência?

Ao longo deste período a Fabamaq viveu vários momentos importantes, com especial destaque para três. O primeiro foi o desenvolvimento do nosso primeiro jogo. Era um jogo de temática Inka, que foi distribuído para o México e marcou o início de uma longa caminhada que hoje continuamos a percorrer. O segundo momento aconteceu já em Janeiro de 2018, com a formalização da aposta no online, materializada na criação da OBU Studios. E o terceiro está ligado à abertura da nossa nova casa, no final de Dezembro de 2018, com a transição para o escritório do Campo Alegre.

 

Falou na retenção de talento… Desde a sua criação, a Fabamaq cresceu de 9 para 150 colaboradores e espera atingir os 180 até final do ano. Qual o perfil das pessoas que têm recrutado?

A média de idades dos colaboradores da Fabamaq é de aproximadamente 30 anos e a formação é diversificada, passando, na sua grande maioria, pela Informática, Sistemas de IT, Hardware, Design (3D, 2D, Som) e Testes.

 

E têm sentido dificuldade de recrutamento? Onde e como contratam?

A competitividade é alta e tem tendência para crescer. Contudo temos conseguido sempre atrair pessoas que acreditamos serem as certas para os desafios que enfrentamos. A contratação começa muito antes da partilha das vagas nas redes sociais. Cada um dos nossos gamers – forma como nos apelidamos enquanto colaboradores – é um embaixador de cada vaga de emprego, auxiliando na busca do melhor perfil. As idas a feiras de emprego ou Game Jams são importantes, mas é na parceria e no acolhimento de comunidades que muitas vezes o processo de recrutamento se inicia.

Um exemplo disso é a comunidade Game Dev, que apoiamos desde o início. Foi fundada por alguns dos nossos gamers e, recentemente, juntou mais de 130 amantes de jogos no nosso escritório do Campo Alegre. Depois, claro, a estratégia digital é de extrema relevância, mas ela por si só não é suficiente. É necessário que seja diferenciadora e que se posicione na mente do nosso possível futuro gamer como uma proposta de acréscimo de valor.

A captação de talento é maioritariamente feita pela atração orgânica de perfis na secção de carreiras do nosso website, existindo ainda um hábito muito enraizado de referrals na empresa. A par destes dois factos exploramos ainda a versão gratuita de algumas plataformas (Glassdoor e ITJobs) para aumentar o alcance das nossas vagas e outras oportunidades como o SwitCH. Este programa de requalificação profissional levado a cabo pela Porto Tech Hub tem-nos ajudado também a encontrar pessoas válidas para os nossos desafios.

 

Envolvem, então, os colaboradores na construção da equipa…

Sim, os nossos gamers são parte muito importante na formação e expansão da equipa. O sistema de referências de colaboradores tem assumido um papel determinante na atracção de pessoas valiosas para a empresa. Esta participação mostra que os gamers que estão connosco se sentem felizes na empresa, na medida em que a recomendam a pessoas próximas. Ao envolvermos os colaboradores no processo de construção da equipa trazemos também para a empresa perfis que não correspondem só às carências técnicas da organização, mas também ao ADN, ao espírito e à cultura que a Fabamaq está a construir.

 

Que características privilegiam nas vossas pessoas?

Na Fabamaq valorizamos a componente técnica, mas colocamos o ónus nas soft skills das pessoas. A partilha é uma parte fundamental do nosso ADN e por isso queremos que os nossos gamers tenham um mindset aberto à transmissão e receção de conhecimento, bem como à mudança. De resto, esta partilha de conhecimento é estimulada internamente com a realização de Knowledge Sharing – sessões que fomentam a partilha de conhecimento entre gamers de diferentes departamentos sobre tópicos relacionados com o trabalho ou outras aprendizagens importantes para os colaboradores.

A informalidade que se vive na empresa é outra nota de destaque e fruto de um mindset que valoriza o reconhecimento da individualidade de cada um como um contributo para uma harmonia positiva. Esta harmonia traduz-se num compromisso e envolvimento generalizado com o propósito da empresa.

Dado o contexto tecnológico em que estamos, a adaptabilidade a novos contextos ou tarefas e a humildade intelectual são também características que privilegiamos.

 

Calculo que no início não existisse a figura do Gestor de Pessoas. Como é agora? Como se foi "construindo" esta área na empresa e evoluindo a vossa estratégia neste âmbito?

Quando entrei na Fabamaq em 2016 já existia um departamento de Recursos Humanos, mas com maior ligação e proximidade à vertente financeira. A evolução levou-nos a caminhar para uma direcção diferente, autónoma – apesar do trabalho em permanente ligação e coordenação – do departamento financeiro, mais focada na Gestão de Pessoas e na ligação desta área com o Marketing. O caminho dos últimos três anos tem sido de intensa aprendizagem e implementação. Neste período temos implementado vários programas na área de Gestão de Pessoas, com destaque para o mentoring, o talent development, os powerups, o sistema de avaliação de desempenho ou os check-ins.

 

Que prioridades assumem nesta área?

A nossa prioridade é, cada vez mais, apostar na qualidade em detrimento da quantidade. Sabemos que os ciclos de retenção de talento nas empresas de tecnologia estão, em média, fixados nos três anos e queremos ser uma exceção que contraria este indicador pela positiva. Nesse sentido, estamos a trabalhar para encontrar um equilíbrio que nos permita, em simultâneo, manter ou elevar o grau de satisfação dos gamers que estão connosco, enquanto somos competitivos e atrativos para potenciais novos gamers. A concretização deste objetivo vem com o compromisso de continuarmos a iterar e afinar as iniciativas que estão a ser levadas a cabo no âmbito da Gestão de Pessoas e introduzirmos acções ou programas que venham aportar a valor à nossa Employee Value Proposition (EVP).

 

Que EVP é esse? Ou seja, o que acredita que vos distingue enquanto empregador e que justifica a vossa baixa taxa de rotatividade?

A Fabamaq cresceu como qualquer outra startup, em que se sente muita proximidade. Esta proximidade criada na génese vive ainda na empresa apesar da realidade ser agora bem diferente. O que nos diferencia é um “walk the talk” que se vive em duas dimensões. A primeira está na nossa assinatura - Life is a game. Quando entramos nos escritórios da Fabamaq sentimos uma atmosfera informal. A responsabilidade dos desafios exigentes que nos são colocados é conjugada com liberdade e alegria, porque, no fundo, as pessoas estão a desenvolver jogos - um produto tipicamente conotado com divertimento. Isto acontece também devido à segunda dimensão, porque o cliché “as pessoas não são apenas um número” é transposto para a prática. Os programas implementados na empresa potenciam o desenvolvimento pessoal a par do profissional e proporcionam condições que favorecem a estabilidade na vida dos gamers. Esta combinação do desafio de fazer jogos, com a cultura informal e alegre vivida na empresa e os programas de Gestão de Pessoas tornam a Fabamaq numa empresa diferente e ajudam as pessoas a quererem ficar.

 

Em concreto, em que consistem as vossas políticas de contratação e retenção de talento?

O recrutamento de novos gamers segue uma guideline de processos que apresenta algumas variações de acordo com as especificidades das vagas envolvidas. Falamos concretamente de exercícios práticos ou portefólios que podem ser requeridos no processo.

No que diz respeito à retenção de talento, existem vários programas ou acções como o mentoring ou os check-ins, que são conversas intermédias do sistema de avaliação, que permitem auscultar a motivação e o estado de espírito de cada colaborador. Estes momentos servem ainda para perceber se o gamer continua alinhado com a cultura e os objetivos da empresa. Ao mesmo tempo, é possível identificar a sua perspetiva face à forma como as interacções estão a decorrer dentro da sua equipa e na ligação com outras equipas da Fabamaq.

De resto, iniciativas como o talent development – através da formação interna ou do investimento na formação de colaboradores – e os power ups, sistema de créditos mensais que possibilitam o acesso a diferentes serviços – ginásio, estacionamento, formação, entre outros – contribuem também de forma decisiva para que as pessoas continuem ligadas à empresa.

 

Sendo uma equipa relativamente jovem, como funcionam as acções de mentoring?

O programa de mentoring coloca os novos colaboradores em contacto com gamers que têm, no mínimo, 12 meses de casa, com o propósito de fomentar a cultura da empresa e o seu desenvolvimento profissional e pessoal. A iniciativa prevê um acompanhamento de seis meses, com uma sessão mensal presencial entre o mentor, o mentee e um facilitador da equipa Marketing e People Management. Desenhos, legos e frameworks internacionais são explorados durante as sessões para gerar a reflexão, a partilha e o impacto pretendido no mentor e no mentee.

De destacar também o team building anual é uma grande ação que a Fabamaq promove com o propósito de estreitar relações entre as equipas, levar as pessoas para fora da sua zona de conforto e melhorar os níveis de conhecimento com dinâmicas menos convencionais. Entre as três edições já realizadas consta, por exemplo, um dia diferente no Parque da Cidade do Porto. Jogos tradicionais, música e boa disposição pautaram a agenda deste dia em que o trabalho em equipa, a comunicação interpessoal e a capacidade de resposta a desafios e obstáculos foram postos à prova.

 

Quais as iniciativas que os colaboradores mais valorizam?

Cada um dos gamers tem interesses, perspectivas e objectivos particulares, pelo que cada um destes programas e iniciativas é valorizado de forma diferente pelas pessoas. Acreditamos que é o seu conjunto que compõe uma proposta de valor forte. Os power ups acabam por ter um impacto relevante na perspectiva extra profissional, na medida em que permitem aos gamers, por exemplo, ajudar a custear a educação dos filhos, investir em cursos online ou criar Planos Poupança Reforma para o futuro.

 

Usam o método comunicativo LEGO Serious Play. Em que consiste e que vantagem competitiva acredita que vos trouxe?

O LEGO Serious Play já foi utilizado pela Fabamaq em diferentes contextos. Já o utilizámos num Leadership Bootcamp – acção organizada com o objectivo de ajudar os gamers que ocupam cargos de gestão de equipas na empresa a reforçarem competências de liderança – com o auxílio da Beautiful Brand Agency e do qual resultou um artigo no livro ”Gestão e Desenvolvimento RH: A Gestão de Pessoas na Economia 4.0". Utilizámos também numa acção recente apenas com os responsáveis do C-level da empresa e recorremos à metodologia a título permanente numa das dinâmicas que integram as sessões do nosso programa de mentoring. Acreditamos que a metodologia tem efeitos muito interessantes em matéria de raciocínio e estratégia, permitindo aos participantes envolvidos retirar conclusões práticas a partir dos jogos de construção e desconstrução efectuados.

 

Recentemente fizeram um investimento de mais de 4 milhões de euros em novas instalações. O que justificou esta aposta e que mais-valias veio trazer?

A aposta no novo edifício veio dar resposta ao crescimento sustentado da empresa, da equipa e ao aumento da procura dos nossos produtos. Existia uma necessidade, face ao crescimento exponencial da equipa, de melhorarmos as condições e este investimento veio viabilizar isso. Quisemos fazê-lo na cidade do Porto porque é o hub ideal, devido ao movimento tecnológico que existe em torno da cidade e porque esta possui os recursos ideais para o que queremos fazer. A construção do novo escritório surge ainda na sequência de um ambicioso plano que existe para apostar no mercado vasto e competitivo dos jogos online.

 

Que tendências perspectiva em termos do futuro do trabalho?

Em matéria de tendências laborais destaco a requalificação profissional como um fenómeno mais comum em que a balança de valorização das competências técnicas e relacionais está mais equilibrada; a humanização do ambiente de trabalho; o crescimento da relevância da people data nos processos de decisão e a criação de políticas de âmbito local que impactem a vida dos colaboradores de forma real.