A frase “Guerra por Talentos” está ultrapassada. Gostaria de invocar aqui e agora uma trégua e avançar para tempos mais pacíficos

O meu nome é Seb O’Connell. Tenho 42 anos. E sou um utilizador. 

Tal como muitos outros antes de mim, e tenho a certeza de que muitos hão-de vir, habituei-me à utilização de rotina. Era um cobertor de conforto que, mesmo após ter pensado que tinha perdido todo o significado, me senti incapaz de viver sem ele. Mas não tenho medo de admitir os meus erros; é altura de assumir o controlo da situação com clareza moderna.

Fui viciado na frase “guerra por talentos”. É tempo de cessar-fogo.
 


Se uma rosa tivesse outro nome não teria o mesmo cheiro doce?

Há 17 anos atrás, consultores da Mckinsey & Company realizaram uma análise e literatura inovadora, argumentando que “o talento é agora um orientador crítico do desempenho corporativo e que a capacidade de uma empresa para atrair, desenvolver e reter talentos, será uma grande vantagem competitiva no futuro.” Cunharam o termo “Guerra por talentos,” uma frase que se tornou sinónimo no ambiente de RH e aquisição de talento.

Enquanto “a economia queimava fumo branco na década de 1990 e as empresas lutavam por contratar e reter as pessoas de que necessitavam... [e assim] foi fácil ver a indomável guerra por talentos,”. Actualmente, o ambiente social, económico e tecnológico mudou para além do reconhecimento e da previsibilidade. A McKinsey & Company afirmou que “Existem três forças fundamentais que alimentam a guerra por talentos: a mudança irreversível da era industrial para a era da informação, a intensificação da procura de talentos de topo na área da gestão e a crescente tendência das pessoas para mudar de uma empresa para outra.”  

Curiosamente, actualmente em 2014, isto ainda se sente como totalmente relevante, se não mais ainda. Somos dominados por um mundo digital em constante evolução, no qual existe uma escassez de gestores de experiência média, e no qual se observa um aumento da contratação com efeito bumerangue e uma crescente globalização da força de trabalho.

No entanto, enquanto a pesquisa e a análise discutidas no livro teve uma notável longevidade – iniciando uma revolução na forma como as empresas abordaram a aquisição e gestão de talentos – é a própria frase que já não se adapta perfeitamente. 

Acredito que a frase “Guerra por Talentos” está ultrapassada. Gostaria de invocar aqui e agora uma trégua e avançar para tempos mais pacíficos.
 


O que existe num nome?

Em caso de dúvida, consulte um dicionário. A definição de “Guerra (War)”, de acordo com o Oxford English Dictionary, é “um estado de concorrência ou hostilidade entre pessoas ou grupos diferentes" ou “uma campanha sustentada contra uma situação ou actividade indesejável”. Este termo desperta os sentimentos de um conflito, combate e desunião circundante negativo. Uma vez que a proposta de valor da entidade empregadora se torna mais crucial para um negócio, acredito que está na hora de as empresas coexistirem e se focarem nas suas necessidades individuais de negócios, agora e no futuro. Estamos a entrar numa era de chavões tais como “contratação”, “desenvolvimento” e “flexibilidade” e as empresas precisam de abordar o mercado tão estrategicamente quanto possível.

Não só a pura definição da frase se justapõe ao actual panorama de recrutamento, como o próprio mundo em que vivemos é um local extremamente diferente. A frase “Guerra por talentos” foi cunhada antes:
 


Domínio global das redes sociais e da tecnologia digital

Quando a Mckinsey & Company escreveu o relatório, o boom da Internet estava em pleno. A Dotcoms estava a estabelecer-se a uma taxa significativa, mas então o Nasdaq caiu e houve discussões sobre até que ponto a Internet na verdade nos levaria. Poderiam ter previsto que o mundo actual onde a marca e a aquisição de talentos estão revolucionados? Enquanto a Mckinsey & Company estavam a aconselhar as empresas a utilizar anúncios de emprego e bases de dados de CV para fazer sair e atrair candidatos passivos, como poderiam saber que no espaço de 10 anos:

 

  • O LinkedIn teria 300 milhões de membros;
  • Mais de metade de todos os candidatos a emprego no Reino Unido utilizam sites redes sociais na sua procura de emprego;
  • Haveria quase tantas assinaturas de telemóvel no mundo, quanto pessoas, quase 6 biliões. Existem mais pessoas têm telemóvel do que com casas de banho! 

    As empresas já não deveriam estar a lutar e pesquisar com todas as fontes para encontrar os talentos de que eles necessitam. Em vez disso, devem:

     

  • Abraçar toda a tecnologia na ponta dos dedos;
  • Criar e comercializar uma Proposta de Valor para o Empregado (EVP) atractiva;
  • Criar compromissos com os talentos a partir do momento em que estes entram em contacto com o negócio, seja candidatando-se para uma função, entrevistando, trabalhando na empresa e, com efeito, quando estão a sair da organização. 

 

Recessão global

A McKinsey & Company comenta que “seria necessário um declínio substancial e duradouro na economia [competição por talentos] para aliviar a pressão". Em 2008, este veio em proporções globais. Cinco anos mais tarde, os efeitos ainda são sentidos e os valores do desemprego no Reino Unido estão apenas agora a começar a diminuir. 

Como é normalmente o caso, uma recessão fornece uma visão retrospectiva e lições (um caso é a Enron, referenciada repetidamente como uma empresa “modelo” na prática de contratação). À medida que as empresas estão a começar a contratar novamente em 2014, reconhecem que existem novos orientadores para a população activa. Estamos actualmente a observar um aumento do desejo pela segurança, equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal e o desenvolvimento de competências que são transferíveis. Em 2014, o LinkedIn inquiriu 7.530 Membros no RU, EUA, Austrália, Canadá e Índia perguntando aos profissionais que tinham recentemente mudado de entidade empregadora, o que os obrigou a fazer essa mudança. Os resultados mostram que as duas principais foram “melhores oportunidades para progressão” e “melhor liderança da gestão sénior”, seguido, em seguida, por “melhor remuneração e benefícios”.
 


O local de trabalho já não é dominado pela Geração X

Quando a “Guerra por talentos” foi definida, estávamos na era da Geração X, são aprendizes vorazes. Cresceram com a rápida aprendizagem e ao ritmo dos jogos de vídeo, computadores e da Internet. Foram educados em escolas que enfatizaram a resolução de problemas contra a memorização mecânica. Em seguida, tivemos a Geração do Milénio (Geração Y) e actualmente temos a Geração U (aqueles que entraram na idade activa durante a recessão) a constituir a força de trabalho. O valor do grau académico diminuiu, pelo que talentos mais jovens estão a entrar nos locais de trabalho através de estágios competitivos e programas de abandono escolar. 

Na outra extremidade do espectro, a idade da reforma padrão (anteriormente 65) foi eliminada gradualmente. Actualmente, a maioria das pessoas pode trabalhar enquanto quiserem. Existem actualmente quatro, por vezes cinco gerações no local de trabalho e quatro gerações de talentos para ser contratadas e desenvolvidos. As empresas precisam trabalhar para harmonizar estas populações e re-energizar os seus programas de recrutamento para atrair e apelar em todos os níveis. Mais uma vez, trata-se de flexibilidade e compromisso, não de combate.

 

Mulheres na força de trabalho

A guerra está conotada com masculinidade, mas esta tem lugar no mercado de trabalho cada vez mais diversificado? De acordo com o Economist em 2009, as mulheres candidataram-se a 6 dos 8 milhões de novos empregos disponíveis na UE desde 2000, e nos EUA o desemprego feminino foi de 8,6% comparativamente aos 11,2% para os homens após a recessão. No Reino Unido, o apoio ao trabalho flexível e a licença parental partilhada está a sentir-se através da implementação de legislação futura, pelo que esta tendência não vê nenhum sinal para diminuir. Proporciona oportunidades adicionais para aumentar o conjunto de talentos acessível para as entidades empregadoras. Com base num estudo realizado pelo Apollo Research Institute, o aumento das mulheres no local de trabalho permitiu: 

 

  • Mais colaboração e situações vencedoras;
  • Mais empatia e aumento de redes;
  • Uma cultura de patrocínio e apoio do desenvolvimento para colaboradores internos.

Num mercado onde EVP é a sigla do momento – o qual permite às empresas atrair de volta as contratações bumerangue, atrair talentos passivos e aumentar as referências – estas características são fundamentais para o sucesso do negócio e são totalmente contraditórias das conotações de angústia e conflituosidade da frase “Guerra por Talentos”.
 


Responsabilidade social corporativa

De acordo com um inquérito realizado em 2012 pela Cornell University, “CSR adquiriu uma definição e âmbito mais abrangente e mais importante para as empresas como um meio de gerir a sua reputação ao longo dos últimos 10 anos." Demonstra através dos resultados do seu inquérito que CSR é actualmente uma função valiosa de uma empresa que não só apoia os seus valores e a sua marca mas que também aumenta o compromisso dos empregados e atrai e retém empregados. Mais uma vez, isto aponta para uma mudança nas expectativas dos talentos actuais. Não se trata apenas de agarrar alguém com um grande salário antes do seu concorrente. Trata-se de olhar para o próprio negócio e construir um lugar onde você, os seus empregados e os talentos necessários queiram trabalhar. 

Actualmente, o nosso mundo é um mundo onde o talento é verdadeiramente global, e, além disso, as empresas são capazes de partilhar o conhecimento de talento alugado, assim como o talento dos seus empregados. Actualmente, o talento transcende os modos de contratação, seja como um empreiteiro ou como um empregado permanente, esteja a pessoa a trabalhar através de uma declaração de trabalho ou como consultor. Em todos os casos, aportam o talento de que uma organização precisa para ser competitiva. A luta de talentos tornou-se mais uma competição amigável – um jogo de xadrez estratégico, cerebral?

A Mckinsey & Company afirma que “na maioria das empresas, o desenvolvimento é proporcionado de forma fraca. Para vencer a guerra por talentos, as empresas têm de melhorar a sua capacidade para cultivar o potencial das suas pessoas.” A ideia de vencer uma guerra através do cultivo parece opor-se ao extremo, mas o sentimento, após 17 anos, permanece o mesmo. Apesar de todas as mudanças que salientei as empresas ainda podem aprender lições significativas a partir da pesquisa realizada, mas é preciso consignar a frase “Guerra por talentos”, aos livros de história e seguir em frente.

O cultivo, compromisso, pró-actividade e flexibilidade são o nome do jogo de aquisição de talentos, e o mundo que nos rodeia está actualmente melhor equipado do que nunca para responder a esta. A pesquisa 2017 CHRO Pulse Survey efectuada pelo Korn Ferry Institute perguntou aos profissionais de RH “O que os mantém acordados à noite?” O compromisso e a retenção destacaram-se. É tempo de cessar-fogo.

Então para onde vou a partir daqui? Dizem que a primeira fase para vencer o vício é admitir que se tem um problema. Dei primeiro passo aqui; amanhã é outro dia, e espero que se juntem a mim no meu caminho para a recuperação. A questão é, como será o futuro sem esta muleta?