É preciso vender Portugal como destino para trabalhar
No mês em que se assinala o Dia do Trabalhador, a Randstad avançou com um conjunto de iniciativas relacionadas com o tema do employer brand, com a transmissão diárias online de mesas redondas de debate, dando voz aos protagonistas destacados no Randstad Employer Brand Research, por sector. A marcar o arranque da iniciativa, uma entrevista a José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal.
Entrevista a José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal
Numa entrevista conduzida pelo jornalista Bento Rodrigues, José Miguel Leonardo fez uma análise transversal à gestão de pessoas e às principais tendências do mundo do trabalho, como também uma abordagem a temas como a flexibilidade, se Portugal continua a ser ou não um país atractivo para empresas e para trabalhar, entre outros temas.
Enfrentamos restrições à atividade económica, com novas regras para trabalhar implementadas de 15 em 15 dias. Neste cenário é difícil ter algum otimismo olhando para o mercado de trabalho. Acha que estamos perante uma nova crise como a de 2012, ou estamos longe desse cenário?
É difícil antecipar as consequências, no entanto, o ponto de partida é bem diferente. Enquanto, em 2012, vínhamos de uma situação de crise financeira que se arrastava ao longo de vários anos, a atual crise veio do nada. E estamos muito melhor preparados para enfrentar esta crise do que estávamos para enfrentar a anterior. Estando melhor preparados no ponto de partida, tudo indica que podemos sair da crise de uma forma mais rápida e mais acelerada.
Nos últimos meses, começámos já a sentir sinais de alguma recuperação económica. Seja qual for a crise, o importante é perceber o lastro que ela deixa na economia. Se atuarmos rapidamente e de forma consistente, esta crise tem tudo para passar mais rapidamente do que a anterior.
Como é que as empresas se podem preparar e, sobretudo, acelerar este processo de retoma?
No meio do negativo que é esta crise, as empresas têm de conseguir olhar para as oportunidades que lhe estão associadas. Apesar de tudo, esta crise apanhou-nos minimamente preparados para podermos trabalhar em circunstâncias diferentes.
O teletrabalho já se vinha consolidando de forma algo envergonhada, mas tecnologicamente já havia a capacidade de a incrementar. Esta crise veio acelerar essa possibilidade, acelerando ao mesmo tempo a renovação e a transformação das empresas. Há muito tempo que se falava da indústria 4.0 ou da nova revolução industrial, que já estava a acontecer.
Não é uma casualidade que, no final de 2019, a Universidade Nova em conjunto com a CIP, vieram chamar a atenção que, em Portugal, entre 2020 e 2030, existia o risco de desaparecimento de mais de um milhão de postos de trabalho tal como os entendemos hoje devido à intervenção da tecnologia. O mesmo estudo destacava também que outros tantos trabalhos seriam criados em função da chegada dessa tecnologia.
É um mundo de oportunidades. Desde os seus primórdios que a humanidade tem vindo a melhorar. A situação que hoje estamos a viver vai acabar e temos tudo para que o nosso futuro possa ser melhor depois desta pandemia.
Não estamos a assistir a uma estratégia de negócio onde a gestão das pessoas só entra numa segunda fase?
Se há algo que esta pandemia nos veio dar certezas é que o mundo do trabalho tem de ser verdadeiramente humanizado. É preciso ter a consciência de que as pessoas têm de estar primeiro, porque só faz sentido falarmos de trabalho e de economia quando falamos de pessoas para pessoas. A tecnologia é um acessório para termos maior comodidade, maior eficácia e eficiência, mas é só um mecanismo, só faz sentido se for de pessoas para pessoas.
A maior parte das empresas com as quais trabalhamos a nível global obtiveram níveis de engagement muito elevados durante o último ano. Isso aconteceu porque, sendo a pandemia uma crise sanitária, não escolheu quem atingir, pois tão exposto está o presidente da empresa como estão todos os outros colaboradores. Isto veio ajudar a que esta humanização acontecesse de uma forma natural. De forma imediata as empresas deram prioridade à saúde dos seus colaboradores. Na maioria das empresas não foi preciso esperar pelo primeiro decreto de contingência para que se começassem a proteger as pessoas. E isso foi muito ajudado pelas próprias hierarquias dentro das empresas, porque todos sentiam que estavam expostos ao perigo.
Isso exigiu flexibilidade, a palavra-chave neste contexto de incerteza. Vamos mesmo ficar mais flexíveis no futuro ou vamos voltar ao passado?
Seria uma pena se não aproveitássemos os ensinamentos forçados a que fomos obrigados. O equilíbrio entre a vida pessoal e vida profissional era uma preocupação dos trabalhadores em Portugal, mais até do que no resto da Europa, algo que a Randstad vinha já a identificar. A parte boa de todo o mal que temos vivido é precisamente a possibilidade de termos testado que é possível trabalhar de forma diferente, sem o presentismo de outrora, com a possibilidade de haver confiança, delegação e responsabilização. Foi esta mudança que defendeu e salvaguardou a própria economia em Portugal e no mundo.
A economia continuou a funcionar à mercê desta flexibilidade que foi propiciada às pessoas. Esta flexibilidade tem de ser capitalizada daqui para a frente. Desejo que não voltemos atrás. Espero que as empresas tenham a coragem de enfrentar o futuro com uma forma de trabalhar necessariamente diferente daquela que se vinha fazendo.
Acha que o trabalho híbrido pode vir a ser uma realidade muito presente durante os próximos anos?
Estou convencido que sim. O modelo híbrido irá buscar o melhor dos dois mundos. Aqui falo da flexibilidade não só do espaço, mas também de horários, respeitando sempre os compromissos e as necessidades inerentes a cada função. Defendo a máxima liberdade com a máxima responsabilidade.
É preciso que, de uma vez por todas, as empresas adotem a meritocracia. Precisamos de ter muito claro quais são os outputs que a empresa precisa de ter de cada um dos seus colaboradores. A única forma de medir a produtividade não é pelo número de horas em que se trabalha, mas sim pelo valor acrescentado que pomos nas coisas que criamos durante as horas que trabalhamos. Este desafio passa por uma coisa fundamental: têm de existir lideranças à altura, e este é o ponto de maior fragilidade.
Quando falamos de promover a flexibilidade não corremos o risco de aumentar a precariedade laboral e a insegurança das pessoas?
Não se pode confundir flexibilidade com precariedade. Precariedade é não se cumprir a tempo e horas com as obrigações fiscais, legais e éticas. Se olharmos nesta ótica, deixaremos certamente de confundir flexibilidade com precariedade. Porque a flexibilidade é uma necessidade das empresas e um desejo individual de cada colaborador.
Claro que tem de existir garantias dadas pelo legislador, que tem de se encarregar que exista um equilíbrio para que a parte mais forte não oprima a parte que à partida possa ser mais frágil. Os colaboradores enquanto elementos de uma organização têm uma palavra a dizer, pois são parte ativa da organização, da empresa. É preciso por isso na ordem do dia.
Mas a precariedade vê-se, sobretudo, nos baixos salários...
Nos últimos anos temos vindo a observar a perigosa convergência entre o salário mínimo e o salário médio em Portugal. Parece que nos estamos a alinhar pelos mínimos e isso cria inibições. Nada contra o aumento do salário mínimo! O salário mínimo tem de existir e ainda bem que existe. Aquilo que não tem corrido bem é o facto do tecido empresarial português continuar a alinhar-se pelos mínimos.
Será que isso se pode agravar?
Parece-me difícil, porque antes da pandemia já tínhamos identificado a chamada fuga de cérebros, pessoas que em Portugal não se reviam nos projectos que lhes eram apresentados e na remuneração que lhes era sugerida e acabavam por emigrar. Se queremos progredir enquanto nação e tecido empresarial temos de encontrar a solução para os baixos salários, não é possível continuarmos a alinhar pelos mínimos.
E qual é essa solução? Como é que se resolve essa falta de competitividade salarial e qual vai ser a tendência?
Infelizmente não tenho essa solução, mas é uma questão que tem de estar na agenda das empresas e das organizações. Temos de ser competitivos, pois se queremos ser os melhores temos de ter os melhores. E não podemos baixar essa ambição, sendo que agora temos uma verdadeira oportunidade.
Parece-me que é, sobretudo, uma questão de atitude a qual é dada pelos que lideram: os empresários e as hierarquias. É preciso tomar esta ambição como uma causa de todos. É preciso mudar o estado das coisas.
Acha que hoje as empresas em Portugal já trabalham o conceito de Employer Brand e já têm uma estratégia?
Foi a Randstad Portugal que pôs este tema na ordem do dia quando, pela primeira vez, em 2015, introduzimos o Randstad Employer Brand Research. Desde então o tema tem começado a estar na ordem do dia das empresas e das organizações.
Hoje, as empresas têm maior atenção na forma como se exprimem. O Employer Branding é a imagem que as empresas transmitem para o exterior daquilo que elas são: como atraem, retêm e mimam os seus colaboradores. Os colaboradores são embaixadores da própria empresa e são imagens que eles passam que criam uma opinião. A parte activa implica que as empresas pratiquem aquilo que dizem que fazem. Porque atrair talentos não é um acto fácil. Hoje todos podemos escolher onde queremos trabalhar, e vamos escolher de acordo com critérios que não estão apenas relacionados com a remuneração, mas que incluem o propósito e o ambiente de trabalho.
A entidade patronal ainda é a única responsável pela formação do trabalhador?
Fico muito satisfeito que Portugal tenha divergido pela positiva relativamente a este tema quando comparado com outros países. Temos já a consciência de que temos de ter nas nossas mãos o nosso próprio futuro. Assim, a readaptação a novas realidades não pode ser uma responsabilidade isolada, nem do Estado, nem da empresa, nem do trabalhador. É extraordinariamente positivo que os indivíduos inquiridos tenham na sua maioria confirmado que têm uma palavra a dizer porque querem ser parte activa na vida da empresa.
A aprendizagem contínua já não é um jargão, pois o nosso presente veio provar que é necessário estar atualizado, que é preciso expandir o nosso conhecimento para podermos crescer enquanto profissionais. Nunca como hoje se tinha falado da importância das soft skills, que se treinam e que se aprendem, não sendo de todo inatas. As competências emocionais precisam de ser praticadas e treinadas.
Parece-lhe que os colaboradores estão hoje mais sensíveis para essa questão da formação?
Sim, de facto estão, até porque têm sentido essa necessidade.
A empregabilidade e a progressão na carreira passam a depender muito disso...
Obviamente, o colaborador tem de investir em si próprio de forma a estar preparado para que possa continuar a crescer profissionalmente, e para expandir as minhas qualidades e competências. Diria até que o mundo do trabalho é efémero naquilo que são as profissões. Seja qual for a profissão, a probabilidade que ela venha a ser reconstruída é enorme.
A pandemia trouxe para a ordem do dia a saúde mental, existindo estudos que referem os efeitos de uma pandemia na saúde mental como o stress pós-traumático depois de uma guerra. Isto para as empresas pode ser devastador, não acha?
Absolutamente. Todos os gestores têm de estar hoje muito atentos aos sinais que acabaram por ser visíveis, do cansaço que se tem vindo a instalar. No início da pandemia trabalharam-se muitas horas, mas agora temos de dar espaço às pessoas. Não fomos feitos apenas para produzir, apenas para trabalhar, temos outras necessidades. E as necessidades da socialização são aquelas que hoje em dia mais pesam sobre as nossas vidas.
E a responsabilidade de um líder empresarial passa também pela atenção a esse outro lado?
Sem dúvida. De alguma maneira há sinais que são visíveis e outros que não. Não devemos pretender ser especialistas em psicologia, temos sim que apetrechar a empresa com os mecanismos próprios que permitam atempadamente reconhecer esses sinais.
Antes da pandemia, Portugal estava na moda enquanto destino turístico. Como é que Portugal pode tirar proveito deste reset e posicionar-se como destino, não apenas para os turistas, mas também para investimento e destino para trabalhar?
Estávamos na moda, sobretudo enquanto destino turístico, é um facto. Mas nunca fizemos um trabalho de fundo para vender Portugal enquanto um destino para trabalhar. Já tínhamos alertado que este era um tema que merecia alguma atenção, até por parte dos nossos governantes. Temos de ter ambição e temos de ir mais longe, seja nos projetos que apresentamos, seja no tecido empresarial, pois dessa forma conseguimos atrair o capital, os turistas, os reformados e todos os que querem vir para cá trabalhar.
Corremos o risco de só atrair os dois extremos: mão-de-obra não qualificada e os profissionais ultra qualificados e autossuficientes?
Não posso negar que o risco existe, mas acho que é mais importante olhar pela positiva, para percebermos o que é que temos de fazer, o que é que temos de criar para poder ambicionar de outra maneira. Já temos unicórnios em Portugal que têm colaboradores provenientes de todo o mundo. O número de estrangeiros que trabalham em Portugal é enorme. Temos de criar condições para que grandes organizações venham para Portugal, mas temos de ambicionar ir mais longe, mas nascido de nós, do empresariado português. Empresas portuguesas que tenham essa linha de ambição, que consigam aspirar a ser empresas verdadeiramente internacionais.
Como é que acha que vai ser o dia depois de amanhã?
O dia depois de amanhã começa agora, no preciso momento em que estamos a fazer as coisas. Gosto de olhar para o lado positivo das coisas. O interregno que esta pandemia trouxe às nossas vidas foi inesperado, mas é preciso saber extrair dele o que de bom ele possa ter.
A pandemia veio comprovar que somos capazes de nos transcender. É na capitalização dos ganhos que fomos obtendo, na ambição e na capacidade de olhar para o futuro que vamos, e devemos, começar a trabalhar hoje para o dia depois de amanhã. Temos de acreditar, e ter a coragem de questionar o que sempre fizemos, porque mesmo o próprio sucesso passado não é garantia de futuro.
Formação, adequação, fazer os investimentos certos, pois o dia D do depois de amanhã vai chegar e quando isso acontecer temos de estar preparados para pôr em funcionamento a transformação que já hoje tem de ser iniciada. Nunca esquecendo que as organizações são feitas de pessoas.