É assim que a Ancor, empresa familiar que conta com 50 anos de existência, está a responder à crise actual. Actuando num sector tradicional, têm procurado «manter a mão firme no leme e trabalhar com orgulho e a cabeça erguida», encontrando formas de adaptar neste «período de grande tormenta».
Entrevista a Francisco Correia, administrador da Ancor
A Ancor é uma empresa familiar, com gestão diária assegurada por uma equipa constituída por dois irmãos: Pedro Correia, é formado em engenharia mecânica e tem 50 anos; e Francisco Correia, de 47 anos e licenciado em gestão. Este último fala, em entrevista, como tem sido manter uma empresa industrial em tempos de pandemia, sem recorrer ao lay-off, e como têm assegurado a competitividade de uma empresa com meio século de existência.
A Ancor comemora este ano 50 anos de existência. Como têm crescido ao longo destes anos – em termos de negócio e de equipa – e o que identificaria como principais marcos?
Como costumamos dizer: “O futuro começou há 50 anos!”. E na verdade começou bem pequeno, numa oficina no centro da cidade do Porto, pelas mãos do meu pai e da minha mãe. Alias, a marca Ancor deriva das duas primeira silabas do nome do meu pai: António Correia.
No início dos anos 80, a empresa mudou-se para a zona da Maia, onde operou durante cerca de 30 anos e onde foi formando uma equipa de pessoas altamente focada na execução de produtos de qualidade. Ao longo desses anos, foi crescendo, em instalações e pessoas, até que em 2008 decidiu construir de raiz uma unidade industrial e logística com 15.000 metros quadrados.
O crescimento da empresa foi uma constante ao longo da sua história, mas acentuou-se muito na última década, com a contratação de um conjunto de quadros que potenciou grandemente o seu desenvolvimento, um quadro com cerca de 160 pessoas, distribuídas por áreas tão distintas como o desenvolvimento de produto, produção, armazém, contabilidade ou vendas.
Passámos de um volume de negócios de 6 milhões de euros para quase 16M€, dos quais cerca de 55% fora de Portugal. Produzimos, em 2019, cerca de 30 milhões de unidades, que foram vendidas em 27 países, estando presentes em mercados geográficos tão distintos como a Europa, Africa, América do Sul ou Médio oriente.
O crescimento tem sido alimentado com base num aumento sustentado da nossa capacidade produtiva, por uma aposta contínua na formação dos nossos quadros e na internacionalização da actividade.
Apresentam-se como a maior fábrica de papelaria nacional, líder no mercado ibérico do sector. Com a "avalanche" digital, qual a vitalidade do sector, actualmente?
Na Europa o nosso sector de atividade tem vindo evoluir no sentido da concentração, quer da produção quer da distribuição, em poucas empresas de maior dimensão.
É verdade que a crescente digitalização da economia tem levado a uma redução do consumo ao nível empresarial, nomeadamente no que toca aos produtos de arquivo, mas o consumo privado e de home-office tem vindo a crescer, contrariando essa tendência.
Como se têm reinventado, de forma a manter a competitividade?
Diria que a competitividade é a chave do nosso sucesso. Não apenas no sentido de produzir a baixo custo, mas, acima de tudo, pela capacidade de apresentar ao cliente e ao consumidor uma oferta de valor acrescentado.
Para isso, temos vindo a investir em capacidade produtiva e em recursos humanos, de forma a aumentar a oferta de produtos que apelem à emoção do consumidor, não apenas no momento da compra, mas, acima de tudo, do consumo. Momentos que o consumidor queira repetir.
Este está a ser um ano particularmente difícil para todas as empresas por causa da pandemia. Mas a Ancor nunca parou de produzir e não entrou em lay off. Qual a utilidade da empresa para a comunidade (colaboradores e sociedade em geral) na situação actual?
Esta pandemia é seguramente o período de maior incerteza vivido nas nossas vidas, não apenas como indivíduos, mas também enquanto sociedade. Na Ancor, temos muito orgulho por termos sido capazes de, em equipa, “cerrar punhos e dentes” e produzir os stocks necessários para fazer face à campanha de regresso às aulas que se desenrolou no final deste verão. Essa determinação permitiu que todos os alunos pudessem encontrar nas lojas o seu material escolar favorito.
Quais têm sido os principais desafios, nestes meses?
O primeiro desafio de todos foi adaptar a empresa, de forma a proteger a saúde das pessoas que cá trabalham diariamente. Para isso, elaborámos um plano de contingência que adoptou todas as medidas preventivas aconselhadas pelas autoridades de saúde. A incerteza, associada à evolução da pandemia, cria-nos dificuldades acrescidas na gestão de médio e longo prazo, e obriga a que concentremos a nossa atenção na gestão do dia-a-dia. Ainda assim, prosseguimos com os projectos de investimento que estavam em curso, mantendo “os olhos no horizonte”.
Como têm gerido esta crise, não só em termos de negócio mas também da gestão das vossas pessoas?
A verdade é que a situação actual é particularmente complexa, uma vez que todos estamos a ser testados no nosso limite, e isso conduz a uma maior insegurança. É por isso que entendo que a gestão das pessoas, hoje mais de que nunca, constitui um desafio vital para conseguirmos ultrapassar o momento de crise que estamos a passar.
No que toca ao nosso negócio, ele encontra-se dividido em duas grandes áreas: a área de escritório, que é de longe a mais afectada por esta crise, e a área escolar, onde os resultados foram menos afectados, e que representa a nossa maior fatia de negócio.
Neste momento, temos tudo preparado para iniciar as apresentações da colecção para o ano escolar 2021/22, o que demonstra o afinco com que temos trabalhado para manter a normalidade.
A criação de criação de plataformas digitais para substituir as reuniões e as apresentações presenciais ou a criação de estúdios para substituir as feiras e as exposições foram algumas das medidas que adoptaram. Assegurou os mesmos resultados do que as práticas presenciais?
Ainda no início de Março, quando se começou a perceber que seria necessário tomar medidas a nível nacional e internacional para tentar atrasar o desenvolvimento da pandemia e assim libertar pressão dos sistemas nacionais de saúde, tomamos a decisão de arrancar com um projecto denominado Plataformas Ancor Online. Este projeto permitiu estabelecer um plano e um cronograma de acções, com vista à criação de meios alternativos às reuniões presenciais e à presença em certames internacionais. Ao longo das últimas semanas, efectuamos diversas apresentações online, reinventando novas formas de aproximação e exposição dos nossos produtos.
Passados oito meses, qual é a realidade? A pandemia veio alterar a vossa estratégia e mudar de forma irreversível processos e forma de trabalhar?
A Ancor é uma empresa industrial e, como tal, a execução da maioria das tarefas tem de ser realizada de forma presencial, nas instalações da empresa. Acreditamos que, ainda assim, algumas funções de caráter mais administrativo possam progressivamente passar a ser realizadas de forma mais autónoma e, por vezes, à distância.
Penso, contudo, que os maiores desafios a esse nível se situam na necessidade de contacto físico entre as pessoas. Os afectos não passam entre dois monitores e estes são, no final do dia, os principais laços entre as pessoas, e entre elas e as organizações onde trabalham.
Assim, como se gerem equipas nessas circunstâncias excepcionais?
Gerir pessoas e equipas é sempre um grande desafio. Ainda mais quando estamos todos debaixo de uma forte pressão, imposta pelas circunstâncias actuais. Na minha perspectiva, a chave para conseguir ultrapassar os desafios deste momento consiste em conseguir manter a equipa motivada, focada e, acima de tudo, coordenada.
Quais são os principais desafios agora?
Os principais desafios continuam a ser manter as pessoas com saúde para podermos, em conjunto, conduzir o navio por águas seguras. Nesta altura, é imperioso manter a mão firme no leme e trabalhar com orgulho e a cabeça erguida, para fazer acontecer a parte que nos toca: preparar o regresso às aulas em Setembro do próximo ano.
Que prioridades têm definidas para 2021?
O ano de 2021 será um ano muito complexo e com um grande nível de incerteza. Ainda assim, uma das nossas prioridades consiste em prosseguir com a implementação dos projectos de investimento em curso e em concluir o processo de reorganização interna iniciado.
Em paralelo, pretendemos dar continuidade ao projecto Plataformas Ancor Online e levá-lo até junto do consumidor. Estamos a trabalhar no desenvolvimento de um conjunto de ferramentas digitais que nos permitirão explicitar melhor os nossos produtos, facilitando assim a compra online através dos nossos distribuidores.
Em concreto no que respeita à Gestão de Pessoas, quais as vossas prioridades?
Neste momento a nossa prioridade passa por garantir que as pessoas estejam bem e com saúde. Para isso, continuaremos a desenvolver todos os esforços no sentido de garantir as condições de trabalho adequadas à minimização da propagação da pandemia, procurando assegurar todo o apoio de que as pessoas necessitem.
Que tendências perspectiva para o futuro, nomeadamente para o sector em que actuam?
Tal como já afirmei anteriormente, a tendência é de concentração em cada vez menos players, com grande grau de especialização. O sector terá de ser capaz de se adaptar às alterações demográficas e de consumo, procurando cada vez mais internacionalizar as suas actividades.
Em termos de negócio, como é que se posicionam e que objectivos pretendem atingir?
Queremos manter, e até mesmo reforçar, a nossa liderança, de forma a sair desta crise com uma situação económica e financeira que nos permita uma rápida recuperação do volume de negócios, sustentando assim a consolidação da nossa posição.
Se lhe pedisse um conselho para as empresas que actuam em sectores mais tradicionais, qual daria?
Neste momento de grande tormenta, diria para se manterem ao leme e com determinação, mas para não deixarem de olhar para o horizonte, procurando encontrar formas de adaptar os seus produtos e/ou serviços às constantes mudanças que a evolução do nosso mundo comporta.