No dia 12 de Setembro, vim para Iringa, no interior do país, onde vai decorrer a maior parte do meu trabalho. Ainda não foi desta que tive a oportunidade de usar os transportes públicos, já que vim com mais colegas num dos carros da VSO, a ONG na qual estamos a fazer voluntariado.
A viagem começou às seis da manhã e para sair de Dar foram necessárias duas horas, pois o trânsito é caótico, sem grandes regras e, pior ainda, era hora de ponta. Os polícias sinaleiros tentavam fazer o seu trabalho na estrada, mas sem grande resultado.
Já sabia que iria passar perto de um parque natural e os meus colegas iam identificando os sítios por onde passávamos. Assim, tive uma tour privada e, pelas 13 horas, chegámos ao Mikumi National Park.
Durante a passagem pelo parque, estive muito atenta, de máquina fotográfica e telemóvel na mão, tentando ver, por entre a vegetação, os “vizinhos” que estavam bem próximos…Foi muito giro! Tive a oportunidade de ver várias zebras, gazelas, girafas e um elefante mais ao fundo. Disseram que tive muita sorte em ver o elefante, pois o meu Manager, nas diferentes viagens que fez por aquela zona, nunca tinha visto nenhum. Vi ainda macacos muito próximos da estrada, aliás, andavam à volta dos carros e a passar de um lado para o outro. Foi uma viagem emocionante, com vistas originais e bem diferentes das que estou habituada.
Finalmente chegámos ao nosso destino – Iringa uma pequena cidade situada num vale o que nos obrigou a circundar diversas montanhas para cá chegar. E as estradas aqui são sempre um desafio. Há vários camiões a circular e o limite de velocidade é de 80km/h (nem sempre respeitado, tal como em Portugal!), mas o que fez com que a viagem tenha durado cerca de onze horas, com diversas paragens pelo caminho. No entanto, com as vistas da abundante vegetação, lugarejos junto à estrada com comércio local, os animais, as pessoas, as montanhas e a companhia dos dois colegas, a viagem foi muito agradável.
A casa onde agora vivo é grande e situada no alto da cidade, num condomínio privado. Todas as casas VSO estão integradas em condomínios, de forma a garantir ao máximo a segurança de todos os voluntários. Actualmente, o meu Manager está a viver também na mesma casa e, no final do mês, teremos a companhia de outra voluntária vinda do Canadá.
Já me tinham avisado que as casas tinham falta de algum equipamento, mas, mesmo assim, não estava preparada… Não tinha toalhas de banho, lençóis para a cama, utensílios de cozinha, papel higiénico... No entanto, tinha uma casa segura e bem mais confortável do que as que tinha avistado durante a minha viagem.
No entanto, tenho que admitir que também não estava preparada para as temperaturas. Todos nos avisam que estará muito calor, temos que trazer chapéu, óculos de sol e protetor solar, todas estas indicações estão num handbook de integração. Além disso, todos os meus amigos me diziam “em Dezembro regressas toda bronzeada e nós cinzentos em Portugal”. Mas parece-me que não será o caso. Em Iringa (ao contrário de Dar es Salaam) está muito, mas mesmo muito frio. Posso dizer que entre as 10:00 e as 17:00 as temperaturas são agradáveis mas de resto… O cobertor de inverno à noite, na cama, tem sido um grande consolo!
No dia seguinte, o meu Manager apresentou-me a Anna, uma jovem que faz a limpeza ao escritório da VSO e ainda ajuda em casa, com as tarefas domésticas. Veio para Iringa há quase um ano para trabalhar, pois, na sua vila, não existem oportunidades. Está sozinha aqui e, além de ser colaboradora da VSO, faz tapeçaria artesanal. Tem sido uma grande ajuda e companhia! Foi a Anna que me ajudou a ir ao mercado comprar alimentos e utensílios básicos para casa, principalmente para a cozinha e para o quarto.
Acredito que a localização do escritório e da casa serão os meus próximos desafios. O escritório fica numa área industrial, na zona baixa do vale, que fica a cerca de trinta minutos de transportes. Aqui, não existe qualquer tipo de comércio ou restauração.
O que significa que acabaram os almoços fora, tenho mesmo de fazer o meu almoço. Ao mesmo tempo percebi que os locais não almoçam, o que ainda complica um pouco mais as coisas, e não é apenas esta refeição, os hábitos alimentares são bem diferentes dos nossos. Ao pequeno-almoço, comem um género de caldo de galinha e, depois, apenas jantam. Duvido que isso resulte comigo… Por outro lado, a casa fica afastada das estradas principais da cidade e é um trajeto de alguns minutos em terra batida. Assim, terei que me informar sobre o números dos táxis ou de condutores de bajaj, principalmente, quando me desloco durante a noite, ou seja, a partir das 18h30 (aqui ainda não há Uber ou outras plataformas e felizmente os táxis também não estão de greve :-).
Nos primeiros dias que andei a pé pela cidade, juntamente com o meu Manager, fiquei surpresa pelo facto de as pessoas não se cumprimentarem na rua. Sei que Dar é completamente diferente de Iringa, mas é inevitável a comparação, pois é a única referência que tenho. Como se trata de uma cidade pequena, fiquei surpreendida por não ouvir Mambo! ou Habari! na rua, algo a que me habituei na minha estadia em Dar.
O meu Manager alertou-me para a questão das fotos (sim, porque até agora só tirei cerca de 800). Não pelo perigo de me roubarem o telemóvel, mas porque muitos edifícios são propriedade do Estado e é proibido tirar fotos. Por outro lado, os habitantes também não gostam muito de ser fotografados. Por isso tenho aproveitado as vezes que ando de carro para tirar fotografias.
No meu primeiro fim-de-semana em Iringa, a Anna trouxe alguns vegetais, fruta e peixe e ensinou-me a fazer Ugali (prático típico local) com Dagaa (peixes pequeninos) e vegetais. Foi muito divertido e desafiante, porque ainda não tínhamos muitos utensílios de cozinha.
À noite, fomos jantar a um hotel/restaurante, que se chama Sunset, no alto do vale, que tem uma vista linda e um pôr-do-sol espetacular do outro lado da montanha. O sítio é muito bonito, natural, com casinhas de madeiras construídas à volta de rochas gigantes. O menu é extenso e consigo encontrar comida familiar com origem na gastronomia italiana, indiana ou chinesa, daquela que conhecemos e estamos habituados!
Passado o fim-de-semana, começou a minha primeira semana de trabalho. Estive grande parte do tempo em Njombe, uma pequena cidade a cerca de cinco horas de Iringa. O T-LED, o projeto da VSO que apoia o desenvolvimento de PME, no qual estou a trabalhar, tem também lá um escritório e deverei passar o meu tempo entre as duas cidades pois o objetivo é acompanhar empresas de ambas as regiões.
Como ainda não tenho um pipeline de empresas definido para que possa apoiar, acompanhei os colegas do escritório de Njombe nas ações que decorreram durante a semana.
Assisti a uma formação de “Business Management & Marketing”, que foi gerida pelos colegas Emil Kidunda e Abraham Nywage. A ação decorreu numa pequena vila perto de Njombe, Makambako (é fácil perceber que é quase impossível para mim memorizar ou até pronunciar todos os nomes…).
Nestas ações, o primeiro desafio é sempre a falta de pontualidade das pessoas. O Emil disse-me que a formação estava marcada para as 9 horas , avisou as pessoas que seria às 8h30 e começámos pelas 9h30 (nada que não aconteça com jantares de grupo em Portugal). A formação começou com 10 pessoas e acabámos com 31 (20 mulheres e 11 homens)! A grande maioria chegou entre as 10h00 e as 10h30. Acho que em Portugal seria difícil entrar numa sala em que a formação já tenha começado há mais de uma hora. São estas questões culturais que nos levam a pensar se e como deveremos intervir.
O objetivo desta sessão foi sensibilizar as PME para temas de marketing e como gerir, de forma rentável, um negócio, mas, principalmente, divulgar o trabalho da VSO e do T-LED. Por vezes, as pessoas pensam que somos do Governo e não confiam. Explicaram-me que os habitantes fogem muitas vezes das autoridades, mesmo que não tenham feito nada, é uma questão cultural. É, por isso, importante fazer a distinção. Trabalhamos com entidades locais que, por vezes, estão presentes nos eventos, mas somos independentes e não cobramos pelo nosso serviço. Soube que, no passado, alguns oportunistas usaram o nome das ONG para roubar pessoas, mas isso acontece em qualquer lado. Não vamos falar da população idosa que vive em zonas rurais de Portugal com pouco acesso a informação… Temas para outro fórum.
A formação decorreu num ambiente diferente do qual estou habituada com cadeiras de plástico da Coca-Cola, muito frio na sala e falta de material informático. Nesta ação percebi as verdadeiras necessidades destas PME. Óbvio que, aquando da minha preparação para o projeto, foi referido que o nível de conhecimento é inferior e seria algo expectável para mim. No entanto, é bem diferente quando contatamos com a realidade. Estas pessoas têm já negócios e vendas consideráveis, de acordo com o contexto, mas, foi necessário abordar princípios básicos de gestão, como a diferença entre mercado e marketing ou produto final e matéria-prima. O Abraham deu ainda dicas de como as máquinas podem rentabilizar o negócio e aumentar a qualidade dos produtos, mas também como gerir expetativas para o negócio e estabelecer objetivos tangíveis.
É inevitável que, numa formação de quatro a cinco horas, existam momentos menos interessantes e em que se perde o público, pelo que, diversas vezes, fizemos exercícios para recuperar energia, momentos de descontração e alegria, servindo também para se estabelecer uma relação de maior proximidade entre formadores e formandos.
Esta é uma ação de dois dias que começa por apresentar os princípios-base de um negócio e a segunda fase é trabalhar em business cases. Frequentemente, o número de presentes no segundo dia é reduzido, porque as pessoas precisam de trabalhar ou simplesmente não têm interesse em continuar e uma das formas de atrair pessoas para o evento é oferecer o almoço. ☺
Apenas estive no primeiro dia, mas sei que foi um sucesso porque trinta e uma pessoas compareceram no dia seguinte. Percebemos que, nesta segunda formação na vila, existe uma maior identificação com o T-LED e a sua missão na sociedade. Além disso, os presentes admitiram ser embaixadores do projeto na região. Após a formação, os colegas foram ainda visitar algumas empresas e conseguiram recrutar mais seis PME para o projeto.
Foi muito importante estar presente nesta ação para perceber os desafios das empresas e como podemos ajudar a melhorar o nível de conhecimento das pessoas na gestão de cada negócio. Não tinha noção de como as superstições da comunidade invalidam a concretização de negócios. Por exemplo, pensam que os negócios irão prosperar apenas por se acreditar num poder divino, não sendo necessário desenvolver competências de gestão ou definir uma estratégia comercial.
O segundo evento da semana foi um workshop de “Gender Equality” que foi liderada pela colega Lilian Sospeter, e onde estiveram presentes 63 PME (40 mulheres e 13 homens). Este workshop não se cinge às empresas com as quais o T-LED trabalha, mas dirige-se à população em geral. Estiveram ainda presentes a representante da TWCC – Tanzania Women Chamber of Commerce e um oficial da Polícia local, especialista em casos de violência doméstica e abuso infantil.
A igualdade de géneros e o acesso às oportunidades de trabalho e de empreendedorismo por parte das mulheres, são dois grandes desafios nesta comunidade.
Achei esta ação muito interessante e a forma como a Lilian liderou o debate. O objetivo foi criar um ambiente seguro onde as pessoas, homens ou mulheres, exponham as suas opiniões sobre o tema. O debate foi em swahili, ia acompanhando a linguagem corporal e a Lilian fazia pequenas traduções de cada discussão. Pode pensar-se que seria aborrecido (pensei no início!), mas acabou por ser enriquecedor. Cada debate começava com uma questão, que eu conseguia compreender, e alguns exemplos foram: A responsabilidade de ganhar dinheiro é exclusiva dos homens? As mulheres têm maior capacidade de liderança? Que ações o T-LED e o Governo podem implementar para garantir a igualdade de géneros?
Este tipo de ações é essencial na sensibilização do tema perante a comunidade, mas, também, para que as entidades competentes tenham feedback da população e possam actuar em consonância com os seus desejos e anseios.
Vi mulheres a levantarem-se e a dizer “se queres que o mundo te conheça, tens que fazer algo diferente! Não podes continuar a lamentar-te”. Claro que estas palavras foram em inglês!
Por outro lado, consegui perceber que os jovens já têm outra perspectiva acerca do tema. No entanto, são marginalizados pela comunidade. Para mim, um exemplo negativo foi conhecer um rapaz, que tem o seu próprio negócio, e que não consegue contratar mulheres porque imediatamente o acusam de intenção de abuso sexual. Fiquei surpreendida e chocada, pois não estava preparada para este tipo de desafios….
No fim-de-semana, sábado, não havia eletricidade na cidade. O meu Manager explicou-me que não é frequente e que é anunciado na rádio o corte de energia. Mas, como eu não ouço a rádio local, nem tão pouco percebo o que dizem, não sabia de nada. Fomos almoçar a um restaurante local. Neste restaurante apenas havia como opção porco com banana ou banana com porco, foi exactamente isto que me disseram!
A escolha estava feita e, enquanto tentava almoçar com as mãos, num prato gigante para 4 pessoas, percebi que existem serviços paralelos em cada restaurante. Durante o tempo em que estamos sentados, aparecem pessoas a vender tudo, desde panelas, toalhas, alimentos, roupa ou livros. Além disso, vi ainda serviço de pedicure. Hum...não tão agradável enquanto (tento) almoçar na mesa ao lado.
Ao final da tarde, fomos ao topo de um montanha onde está uma rocha gigante intitulada “Gangilonga – A rocha que fala”. Existem duas histórias para explicar o nome. Uma refere que o povo original de Iringa, Hehe, considerava esta rocha um lugar de devoção e comunicação com os antecessores e a outra, que o chefe Mkwawa (da tribo Hehe) usava este local para avistar os movimentos germânicos aquando da guerra entre 1894 a 1898.
No topo da montanha, conseguimos avistar a cidade quase por completo e fiquei a saber que se estende por cerca 20 km de diâmetro. Eis a vista:
Esta experiência tem sido muito enriquecedora, mas, muitas vezes, parece que estou num filme, pois, quando estou com colegas locais, ficam trinta a quarenta minutos a falar swahili. Nestes momentos, sinto-me num filme chinês, em que não percebo nada, mas que, por outro lado, não posso ignorar. Como quando assistimos a um filme no qual passam imagens e temos música de fundo que ouvimos, mas não conseguimos reconhecer.
3 meses na primeira pessoa
3 meses na primeira pessoa é um blogue escrito pela Isabel Relvas Ferreira, senior manager da Randstad Portugal. Uma experiência que é partilhada de uma forma muito pessoal, revelando assimetrias mas também o verdadeiro potencial do ser humano.
A Isabel integrou um programa de voluntariado internacional através da parceria entre a Randstad e a VSO (Voluntary Service Overseas). Estará na Tanzânia durante 3 meses (setembro a dezembro 2018) como Marketing Advisor inserida no programa T-LED (The Tanzania Local Enterprise Development), a dar apoio a Pequenas e Médias Empresas.
A VSO é uma ONG com a missão de “Um mundo sem probreza”. Tem parceria com diferentes empresas, nomeadamente com a Randstad, há cerca de 14 anos, que possibilita aos colaboradores prestarem um serviço de voluntariado internacional de acordo com a sua área de especialização.
Mais informações sobre a VSO https://www.vsointernational.org/
O T-LED apoia PME para um crescimento económico sustentado e de igualdade de género. A maioria das empresas é do sector Agro e detida por mulheres. Mais informação sobre T-LED project em http://www.t-led.co.tz/